O Chega está no país real? E os outros partidos?
Em 2024 o Chega foi o partido sensação das legislativas, ao passar de 12 para 50 deputados na Assembleia da República. Ano após ano desde 2019, quando entrou no Parlamento apenas com André Ventura como único deputado, a voragem do partido que mais ostracizado e atacado tem sido na História da democracia - independentemente de ser com razão ou não - triunfou de novo, ao conseguir subir outra vez a sua votação, para 58 deputados, e com a possibilidade de eleger ainda mais um, pelo menos, pelo Círculo da Emigração. Acresce que, pela primeira vez, outro partido que não o PS ou o PSD, se pode tornar a segunda força política do país.
No ano em que se comemoram o cinquentenário das primeiras eleições livres será de subscrever as palavras de Pedro Pinto, o líder parlamentar do Chega, quando afirma que “o sistema já tremeu e foi graças a nós que tremeu”?
O que aconteceu nestes seis anos, ou melhor, o que não aconteceu, foi que o Chega, tal como todos os partidos populistas de extrema-direita, encontrou o bode expiatório para os problemas que boa parte da população sente no seu dia a dia e que, embora alguns não concordem e procurem os reais responsáveis, houve desta vez quase um milhão e 400 mil que acreditaram.
Os imigrantes (os mais pobres, claro) são culpados pela insegurança (mesmo que mais altos dirigentes das polícias digam o contrário), pelo aumento de preços dos bens essenciais, pela crise no SNS, pela especulação imobiliária e pelas dificuldades criadas nas escolas na integração do elevado número de alunos estrangeiros.
Não deixa de ser irónico, lembrar a música do Sérgio Godinho, de 1974, que dizia: “Só há liberdade a sério quando houver / a paz, o pão / habitação / saúde, educação.”
Porque é desta “liberdade” que, passados 51 anos de Democracia, o país ainda procura e que os partidos do, até agora, arco governativo, ainda não conseguiram oferecer.
O país evoluiu nestas cinco décadas como nunca, mas não esquecer que o ponto de partida era miserável em 74 para a maior parte da população e ainda estamos longe daqueles países com que nos gostamos de nos comparar, como são os que estão no topo do ranking de qualidade de vida democrática, geralmente as democracias liberais dos países nórdicos.
Esse nível atinge-se avaliando fatores como a liberdade de imprensa, respeito pelos Direitos Humanos, a participação política, a transparência do governo. A qualidade de vida nestes países é alta, devido ao investimento em Educação, Saúde, Segurança e Direitos Sociais. É esta a receita.
No nosso país temos três em cada cinco portugueses a dizer que não têm dinheiro para as necessidades básicas e, de acordo com os resultados de um barómetro que publicamos nesta terça-feira, Portugal é o país europeu onde mais cidadãos dizem ter dificuldades financeiras.
Os eleitores de 2025 do Chega podem ser os mesmos que em 2024, quando fizemos reportagem no Algarve, tinham “pedido desculpa” por votar neste partido, porque nenhum outro lhes deu “respostas, nem soluções”, aos quais agora se somaram, pelas mesmas razões, os dos círculos de Setúbal, Portalegre, Beja, onde foi o mais votado.
Só que, desta vez, como constatou a jornalista Ana Mafalda Inácio no distrito de Setúbal, não se ouviram pedidos de desculpa. Um por um foram sendo apresentados os argumentos da cartilha de André Ventura.
Talvez tenham sido até as medidas do Governo AD para regular a imigração que tenham ajudado ao reforço da sua votação, mas não é suficiente. Porque há outros, vários, problemas por resolver.
E desta vez ficou claro que não são as soluções da esquerda que servem. Ou não tivéssemos criado uma sociedade hedonista, assente nos valores da competição, do individualismo, onde o Estado Social e democrático forte baseado em valores de solidariedade e igualdade, se tornou uma utopia. Uma cultura, à qual a extrema-direita acrescentou outro elemento: culpar o miserável do lado.
Por isso, Pedro Pinto tem razão. O Chega fez tremer o sistema e o sistema deve recompor-se, ter a maturidade dos 50 anos, pensar nas pessoas e nos seus problemas. Sem demagogias, nem crises narcisas de meia idade.