Ao longo da marginal, alguém dizia que "Por aqui, não passará", mas o Chega passou no Seixal.
Ao longo da marginal, alguém dizia que "Por aqui, não passará", mas o Chega passou no Seixal.Gerardo Santos

Seixal. Em terra que se diz de Abril e do Avante!, o Chega cantou vitória pela primeira vez

O concelho que antes se dizia “esquecido” vai agora passar a integrar a análise política. O que se passou para que o mapa legislativo do país tenha começado a ser pintado de azul a partir do Seixal?
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Não é Grândola, a Vila Morena, como cantava José Afonso, mas quase poderia ser, porque em cada esquina, os murais ainda são de terra da fraternidade e de quem o povo é quem mais ordena. Não é Grândola, a Vila Morena, mas é o Seixal, da Arrentela, de Paio Pires, de Corroios e da Quinta da Atalaia, da Amora, com mais de 166 mil habitantes, que todos os anos, há mais de trinta, no início de setembro se veste de vermelho, em nome da liberdade. Onde está esta terra, nos resultados das últimas eleições legislativa, que deram em todo o país 58 deputados ao Chega, tantos quantos ao Partido Socialista?

No Seixal, quem não votou no partido de André Ventura diz-se “incrédulo”, “em choque”, “ainda sem acreditar”. Quem votou, e, alguns, contra todo o sentido de voto de anos anteriores (como PS, BE ou CDU), ou do que vão ter nas autárquicas, explica-se e diz que “está na hora de mudanças” na Assembleia da República. "Está na hora de olhar para a realidade portuguesa e de agir”. E quando perguntamos como? “No combate contra a corrupção. O cidadão que vive do seu trabalho e que paga impostos que qualidade de vida tem? O que melhorou?”, dizem-nos.

Outros, como Diana, de 37 anos, desde pequena a viver no Seixal, argumentam: “Há portugueses que também fazem parte das minorias, queremos uma habitação e não conseguimos, queremos uma creche para os filhos e temos de os ir colocar longe e a pagar, porque não temos vagas nas públicas, queremos uma consulta no Serviço Nacional de Saúde e não conseguimos, se não tivermos seguros, o que fazemos? Somos todos seres humanos, portugueses ou não, merecemos todos ser bem cuidados”.

Nesta segunda-feira, depois do azul ter dado lugar ao vermelho ou ao rosa pintado no mapa legislativo, como ainda acontecia em 2024, no Seixal, a mesma pergunta saltava em roda de amigos nos cafés, na caminhada à beira da marginal, ou até nos parques infantis quando se esperava pelos filhos: “E agora?”, mas nós acrescentámos: “Como vai o Seixal viver 'partido ao meio'?” Ou seja, com duas freguesias do Chega, duas do PS e uma população a mudar de dia para dia, pelas circunstâncias da vida ao redor de Lisboa e também da imigração? Como vai o concelho seguir os princípios de outrora, de direitos iguais e inclusivos para todos?

“Vamos conseguir viver. Melhor ou pior. O problema é o que estes resultados dizem de nós, como povo”, argumenta Daniela, junto à porta da quinta da Atalaia, onde, mais uma vez, em setembro, se repetirá a festa do Avante!. Nas ruas, poucos se deixam ver. "Estão a trabalhar". É assim num dia de semana e de trabalho.

Na Amora e em Corroios, o PS manteve a vitória, mas no resto do concelho não. "O Chega vai deixar marcas?", questiona, já dentro do carro e a pedir desculpa porque vai iniciar o turno das 14 horas. "Tenho duas filhas pequenas e tudo isto é muito mau para o que pode representar para o futuro delas e das novas gerações do nosso país”.

Olhando para o mapa legislativo da Comissão Nacional das Eleições, o concelho do Seixal, um dos vários de Setúbal, que ficou pintado a azul, teve uma votação de mais de 65% dos inscritos. Ao todo, votaram 96 617, dos mais de 146 mil inscritos. No final, o Chega saiu vitorioso com 26,02% dos votos, ficando em primeiro no Seixal, Arrentela, Paio Pires e Fernão Ferro e em segundo em Corroios e na Amora, a pouca distância do PS, que manteve a liderança alcançada nas eleições de 2024.

Nas paredes, as marcas ainda são de terras de abril.
Nas paredes, as marcas ainda são de terras de abril. Gerardo Santos

Do voto no PS ou no Bloco há um ano para o do Chega

Se formos a contas, o Chega ganhou votos ao Partido Socialista, à CDU e ao Bloco de Esquerda. Em 2024, já havia uma certa tendência de crescimento do Chega ao ficar em segundo e colado ao PS. Este ano, conseguia vitória em duas grandes freguesias, mais de sete mil votos na Arrentela e Paio Pires, quase cinco mil em Fernão Ferro, e mais de 6600 na Amora e 6900 em Corroios.

O PS somou 25, 54% dos votos, a AD, 20,98%, a CDU 6,92%, a Iniciativa Liberal 5,91% e o Bloco de Esquerda não passou dos 2,45% dos votos. Os dados oficiais sobre o Seixal quase que nos permitem dizer que o PS começou ali a perder as eleições, já que a queda no número de votos, ultrapassa os dois milhares, mesmo nas freguesias em que conseguiu ganhar, Amora e Corroios. Se dúvidas houvesse, os dados por freguesias deixam claro que a transferência de votos foi do PS e do BE para o Chega.

Para os mais velhos, como Luís Coelho, de 80 anos, nascido, criado e vivido no Seixal, como gosta de dizer, ou como o amigo Manuel Martins, de 73, de Setúbal, mas há 46 anos naquela terra, a que escolheu, para exercer a profissão de pedreiro e para viver, os resultados de 18 maio “foram surpreendentes”, comenta Luís, gerente comercial toda a vida. Manuel também diz que “não esperava”, mas não ficou “surpreendido”, porque, entende, que “para muitos foi um voto de protesto. As pessoas não aguentam mais esta vida”. E quando perguntamos: “Que vida?”. A resposta surge ao som do discurso do Chega: “Olhe, ganhar mal, a vida de quem paga impostos e nunca é compensado, de haver cada vez mais 'subsídiodependentes', etc. Nem gosto de falar nestas coisas que me irrito'”.

Na opinião de Luís, a “esquerda preocupou-se sempre em falar nas minorias, mas sempre sobre a imigração, sobre o que estas pessoas precisam, dizendo-nos até que estas pessoas pagam mais impostos do que aquilo que levam para casa, mas eu coloco a pergunta ao contrário: 'Se se preocupassem mais em fazer com que quem vive a vida toda de subsídios do Estado começasse a trabalhar, se se preocupassem mais em fazer com que estes também pagassem impostos, se calhar não era preciso termos imigrantes a vir de tão longe para trabalhar e pagar impostos'”.

O discurso leva-nos à pergunta: “Votou no Chega?”. Luís diz que "não", justificando que “o Chega e o André Ventura não são a solução para os problemas atuais. O povo não sabe isso, mas eu sei. Vivi no tempo do Salazar, fiz a tropa na Guerra". O homem que fez toda a sua vida no comércio no Seixal acaba por assumir que votou "no Livre, pela primeira vez. Pelo menos, tem um líder que acho ser o único que ainda não conheço como ladrão”, porque “se não fosse nele, não votaria em nenhum dos que já lá estiveram. O discurso de que 'prometemos' e 'vamos fazer' já não pega. Dizem todos os mesmo, mas, depois, não fazem”.

Manuel diz que o compreende: “Olhe, eu só não votei no Chega, porque vivi também o tempo do Salazar. E. no meu tempo, não havia subsídios para ninguém. Tínhamos de trabalhar para dar de comer aos filhos, mais tarde tínhamos de pagar impostos para viver e ser cidadãos 'certinhos'. Agora, basta ter filhos e subsídios e ninguém exige nada”.

Juntos à conversa na estação fluvial do Seixal, que em 18 minutos separa o concelho do Seixal da capital, com transeuntes a chegar e a partir de 15 em 15 minutos ou de meia em meia hora, insistimos: “Falam de subsídios, mas esses apoios não foram uma conquista de Abril e a habitação condigna e o direito ao ensino para todos também?”. Concordam, assumindo Luís que "não está em causa o que o país conquistou em 50 anos de democracia", mas quando perguntamos o que está em causa e o que os revolta na realidade portuguesa, respondem: “Sabe, todos devemos ter direitos e deveres, mas uns têm só direitos”, tentando argumentar com casos de injustiças, de realidades que os políticos não querem saber, porque “não são eles que vivem aqui”. No fim de tudo isto, surge a recusa da fotografia para o testemunho. “Isso, não queremos, até de costas nos conhecem”, afirmam.

Maria Clara, reformada, habitante no Seixal, um dia depois das eleições ainda não sabe o que pode ter acontecido naquela terra.
Maria Clara, reformada, habitante no Seixal, um dia depois das eleições ainda não sabe o que pode ter acontecido naquela terra. Gerardo Santos

Dali, saímos insatisfeitos, mas encontramos Maria Clara, de 73 anos, que sentada no carro, a olhar para o Tejo, nos observava. É ela que acaba por dar a resposta que não tivemos antes: “Nunca imaginei que o Chega ganhasse no Seixal. Temos dois grandes bairros de pessoas de etnia cigana, e não os vejo a votarem no Chega. Não sei como conseguiram ganhar”. Aí está. Será pela etnia cigana?, sempre tanto no discurso do Chega, será pela imigração hindustânica? Porquê? Porque mudou o seu voto a população do Seixal? Maria Clara volta a dizer: “Não sei. Temos muita imigração, e há muitos anos, mas é africana. Também não os vejo a votar no Chega”. E aos outros habitantes, vê?, perguntamos. “Também não, mas pelos vistos”.

O que terá acontecido em 11 meses para que a população tenha dado a vitória à esquerda socialista, em 2024, e, em 2025, viesse a engrossar os votos da direita, no Chega e também na AD, ambos com aumento no número de votos. Maria Clara, que sempre foi funcionária pública, acredita que tal se deve "mais à juventude”. “Os jovens sentem-se revoltados, os que começam a trabalhar e que querem iniciar as suas vidas, não conseguem. Sentem que não têm condições. Até mesmo nós, os idosos, sentimos um pouco isso. No meu caso, no ano passado, tive um aumento de 30 euros, para que dá isso?".

Por outro lado, Maria Clara atenta que tudo está a mudar, tanto no Seixal como no resto do país. "Já viu a cidade de Setúbal, o Alentejo todo e o Algarve? Há uma mudança até na população. Está a ver a construção que aí vai?", aponta para o espaço nas nossas costas. "São andares para mais de 600 mil euros, há muitos estrangeiros, suecos, franceses, alemães e tudo isto muda o custo de vida também".

Segundo nos contam, a maioria dos estrangeiros que está a escolher o Seixal, “vem para gozar as reformas. Vivem bem aqui. Não são jovens a tentar a vida, mas dão cabo do preço da habitação”. Maria Clara espera que os resultados de domingo sejam analisados. O PS deveria pensar nisto, nunca imaginei que perdessem tanta votação”.

As 56 anos, Mário, que votava CDU, votou no Chega.
As 56 anos, Mário, que votava CDU, votou no Chega.Gerardo Santos

Tudo na vida muda, a política também”

Maria Clara continua o passeio, e no nosso caminho aparece Mário, de 56 anos, que enverga a farda de funcionário da autarquia, e que diz, como aviso, "posso falar sobre as eleições, sim. Sempre disse o que pensava”. Portanto, é o primeiro nascido e residente no Seixal a assumir: “Votei Chega, sim senhor”. E votou, em primeiro lugar, “por causa da corrupção, depois pela imigração”.

Nas suas palavras, “Portugal tornou-se numa República das Bananas. E o PS tem muita culpa. Primeiro, deixou o Sócrates roubar, e pode mesmo escrever isso, roubar, não há outra palavra para o dizer, depois o Costa deixou entrar toda a gente, sem regras, sem condições e estamos como estamos”.

Para quem votava CDU, e o vai fazer outra vez nas autárquicas, há uma tese para a ligação ao Chega. “Tudo na vida muda, na política também. E, atualmente, a política, ou os partidos que costumavam dividir o poder, não estão adequados à realidade portuguesa. Já ninguém confia neles. Os políticos falam, falam, mas não conhecem o terreno. Acho mesmo que estas eleições são o descrédito total do PS e também do PSD. Olhe, é como o Ventura diz: Há 50 anos a falhar”.

Mário diz saber que "o PSD ganhou as eleições", mas remata logo: “E o que vão fazer? Nada. E os portugueses deviam ter pensado nisso, deviam ter pensado que são precisas mudanças para dar mais condições de vida às famílias. São precisas alternativas aos partidos políticos que estão no poder. Podem dizer mal dele, mas o Ventura é o que vai direito ao que está mal”.

O funcionário da autarquia conta que a mulher atravessa o rio todos os dias para trabalhar em Lisboa e que todos os dias lida com “o fenómeno da imigração”, que, de acordo com a sua tese, ”afinal, não é fenómeno nenhum. Só existe porque deixaram, ninguém quis impor regras, porque aos que querem mesmo trabalhar devia-se dar condições, aos outros nem deviam cá entrar”.

Na sua tese, o problema da imigração não é uma só uma questão de quantidade, de serem muitos, mas também de cultura, porque “os seus costumes são muito diferentes dos nossos e se vêm para cá deveriam respeitar os nossos”. Mas o que não é respeitado? “Olhe, não andarem todos de cara tapada. Os filhos não irem para a escola assim. Respeitarem a nossa religião. Eu via-me a viver num país do socialismo, trabalho igual e salário igual, o que é que isso me deu? O socialismo falhou e o que esperavam? Um milagre? Esse só em Fátima, mas até esse parece ter sido fabricado”.

Depois de toda a tese, perguntamos se ainda se sente confortável nas autárquicas a votar na CDU? "Claro que voto. A CDU tem feito muito pelo concelho. Na Assembleia da República é que são precisas mudanças”.

Diana e Pedro querem mudanças.
Diana e Pedro querem mudanças. Gerardo Santos

Não queremos acreditar que a realidade que temos hoje é o melhor que nos podem dar”

A menos de um quilómetro dali, passando pela siderurgia nacional, com o anúncio a vermelho na rotunda de que estamos num “município de abril”, Diana e Pedro, de 37 anos, fazem tempo, sentados num banco, à espera que a filha saia da escola. “Faz hoje sete anos, por isso é que estamos aqui, senão o dia era passado a trabalhar, do outro lado do rio”.

Diana nasceu no norte, mas os pais quiserem que crescesse naquele concelho da margem sul. E, durante mais de 30 anos, tem vindo a assistir à sua transformação. "O Seixal já não é nada do que era”, avisa. “O custo de vida em Lisboa atirou muitas pessoas para aqui, o que encareceu muito as casas. Hoje em dia, um destes edifícios pequenos, que há dez ou 15 anos, poderiam custar 50 mil euros, agora pedem mais de 250 mil. Um T2 no Seixal é para cima de 250 mil euros. Deixámos também de ter empregos ou até de vagas nas creches ou nas escolas para os filhos”, argumenta.

Se foi esta alteração na vida de quem ali sempre viveu que terá levado à mudança de voto para o Chega, Diana e Pedro concordam que “também foi”, mas atribuem a mudança “à falta de alternativas políticas”, acabando ela por assumir: “Não concordo com tudo o que diz André Ventura, mas votei Chega”. Um voto que, confessa, “contrário a tudo a que já votei desde que pude exercer este direito aos 18 anos”.

Diana, diretora de recursos humanos numa empresa em Lisboa, já votou Bloco de Esquerda, mas também PS. E, se agora, tomou a decisão que tomou, não foi por uma questão ideológica, de passar dos princípios da esquerda para a direita, justificando que “a ideologia faz cada vez menos sentido”. Hoje em dia, "voto cada vez mais em quem me apresenta propostas ou, pelo menos, me faz sentir que tem vontade de mudar o que está instalado”, acrescentando: "Neste momento, quem está a liderar o país, tanto PS como PSD, passam a ideia de que a realidade de hoje é o melhor que nos podem dar, e isso não posso aceitar”, afirma peremtóriamente.

Quando chegamos à posição do Chega sobre os direitos das mulheres, confessa que a “acha conservadora". E que este foi um dos temas que a levou a consultar o programa do partido. A questão da imigração também, porque foi criada num ambiente em que o princípio da “solidariedade” e dos “direitos iguais para todos” era importante, e as minorias também.

Mas, salvaguarda, “a igualdade tem de ser para todos, para os portugueses também”, e há muito que "não veem uma melhoria nas condições de vida”. Daniela dá mesmo o exemplo: “Temos uma minoria de pais com filhos com deficiência. Onde estão os seus direitos? Os seus apoios? São cada vez mais difíceis, mas estas minorias são invisíveis, não vemos mães a manifestarem-se por causa da doença dos filhos”.

Diana e Pedro assumem que discutiram muito o voto no Chega. E que não sabem mesmo se o repetem, porque, hoje, destacam mais uma vez, “a ideologia já não faz sentido. Já não somos de um partido até morrer. Somos de quem é capaz de nos fazer acreditar que algo pode mudar. Ou que, pelo menos, vai tentar. O PS e a AD são partidos que estão no poder muito confortavelmente. Ora ganhava um, ora ganhava outro. E as mudanças não surgem. Os problemas na Educação, na Saúde, na Habitação são tão graves que quaisquer medidas que apresentem parecem que já não mudam nada”.

Diana e Pedro, este técnico de informática, não votaram no Chega “sem pensar”, assumem até saber que "André Ventura é um comunicador e que diz às pessoas o que querem ouvir” ou que "há uma estratégia provocadora no que diz e no que faz”, porque “se ele usasse um discurso mais soft, ninguém lhe ligava nenhuma”.

Por outro lado, culpam a comunicação social por lhe “atirar sempre com os mesmos temas, com as mesmas questões do racismo ou da xenofobia, sem lhe dar a oportunidade de falar no programa dele”, que, dizem, “não refere nada sobre a perda de direitos das mulheres”.

Têm também a noção de que se chegasse agora ao poder, ou se chegar em alguma altura, “pode não fazer melhor do que os que lá estão agora ou estiveram nos últimos anos. Só o tempo o poderá provar, mas, pelo menos, é dos políticos que parece estar muito atento aos problemas reais das famílias portuguesas”. Têm esperança que a votação no partido de André Ventura possa fazer alguma diferença. “Queremos acreditar nisso”, mas também "só o futuro o dirá".

Sentadas junto ao rio, duas professoras pedem que a realidade portuguesa seja mais discutido e aprofundada.
Sentadas junto ao rio, duas professoras pedem que a realidade portuguesa seja mais discutido e aprofundada. Gerardo Santos

"Ainda estamos incrédulas"

Ao longo da marginal do Seixal cartazes do Chega enfeitam os potes de luz. Por debaixo deles, alguém deixou um cartão, com um cravo vermelho desenhado, a dizer: "Por aqui, não passará". Mas, afinal, passou. Num dos cafés junto à sede do PCP, no mesmo passeio, duas mulheres chamam a atenção nos comentários. Mais uma vez o tema das eleições. “Ainda estamos incrédulas”, dizem-nos.

Ambas são professoras do ensino público há mais de 30 anos, gostam do que fazem e uma delas, que foi professora de Rita Matias confessa mesmo: “Todos os dias me pergunto o que fiz de errado. Tanto eu como tantos outros colegas que foram professores dela e que sempre nos pautámos por certos princípios”.

O que aconteceu à deputada do Chega eleita pelo circulo de Setúbal e que frequentou a escola no Seixal, não sabem, mas sabem o que aconteceu agora: “Estamos a criar gerações que não têm sentido crítico, que absorvem toda a informação que captam nas redes sociais e que tomam as suas decisões com base nisso”.

Trabalham no Seixal, mas são moradoras noutras concelhos da margem Sul, defendem a educação como um direito e para ambas “os resultados destas eleições têm de ser analisados”, bem como as suas causas que “são mais profundas do que possamos imaginar”.

De um lado temos, os jovens que, muitas vezes, “nem nos ouvem, seguem as ideias do Chega quase patologicamente”. Por outro, temos “as gerações mais velhas, que não vêm as suas condições de vida melhoradas e depois têm de arranjar responsáveis, como os subsídiodependentes”.

Concordam com o direito aos apoios às famílias que deles necessitam, mas também concordam que a estes falta critérios e fiscalização. “Cheguei a ter um aluno com 18 anos no 5.º ano de escolaridade e a Segurança Social só queria saber se ele ainda estava na escola, não queria saber se faltava ou não ou se tinha aproveitamento. E isto está errado, e penso também que é contra estas situações e outras que as pessoas se sentem revoltadas”.

Para elas, a preocupação “é o futuro das novas gerações. Algo tem de ser feito para se reverter a realidade atual”. Como é que as escolas no Seixal têm vivido com as diferenças? Tanto uma como a outra sabem-no: À custa dos professores e de todos os outros profissionais que acreditam no ensino público e que levam os seus princípios para os projetos que desenvolvem. Agora, se “a escola tem de ser mais inclusiva, como se quer, tem". E tem de ser "para os dois lados, tantos para os estrangeiros como para os portugueses".

Os números

Concelho. Limitado a Este pelo Barreiro, a Sul por Sesimbra e a Oeste por Almada, o Seixal dizia-se um concelho esquecido, mas, hoje tem mais de 166 mil habitantes espalhados pelas quatro freguesias. Muitos vindos de Lisboa, que ali procuraram melhores condições de vida, outros de África, mas também já alguns vindos da Suécia, de França e até da Alemanha, para gozarem aqui as suas reformas, com mais qualidade.

Eleições. De um total de 146 474 inscritos, votaram no Seixal 96 617 cidadãos (65,6%) do total, que deram a vitória ao Chega com 26,02% dos votos. Ao todo, foram 25 136 a votar no partido de Ventura, 24 673 no PS, 20 268 na AD, 6689 na CDU, 5712 na IL, 5576 no Livre, e 2365 no Bloco de Esquerda. Há um ano, os números eram bem diferentes. O PS vencia no concelho com 31 337 votos, o Chega alcançava o segundo lugar com 20 121 votos. A AD registava 16 596, a CDU 7321, a IL com 5672 e o Bloco com 5404.

Autarquia. Em 2021, a CDU vence de novo a Câmara do Seixal. É assim há muitos anos e pelas ruas o trabalho feito vai sendo exposto: “143 Parques urbanos e Infantis” ou “Visite no Novo Seixal”. A nova construção atinge preços já praticados em Lisboa, o Alojamento Local também aumenta. A ideia de um hospital novo é uma reivindicação de há mais de 15 anos para responder população.

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