O Brasil no pós-apocalipse

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Se as eleições portuguesas deixaram um odor a apocalipse, o Brasil tresanda a pós-apocalipse. O Chega ameaça ganhar uma eleição no futuro. Bolsonaro já ganhou a dele.

Na altura, aliás, alguns observadores, numa estranha salada de otimismo e pessimismo, prognosticaram vantagens a prazo da vitória bolsonarista. Previram um governo do ex-deputado tão mau, tão mau – eis o pessimismo – que enterraria qualquer possibilidade de retorno dele e da turma dele – eis o otimismo.

A realidade confirmou o primeiro prognóstico: no Governo Bolsonaro conviveram um ministro das Relações Exteriores que defendia o isolacionismo, um ministro da Educação que pretendia “universidade para poucos” e colocou no executivo uma dupla de pastores evangélicos que só distribuía verbas a prefeitos que retribuíssem com barras de ouro, um secretário da Cultura que reproduziu discurso de Goebbels, um ministro do Ambiente mancomunado com desmatadores e um general do exército como ministro negacionista da Saúde, o que terá causado – contabilizam os especialistas – mais de 100 mil mortes evitáveis por covid-19.

Mas não confirmou o segundo prognóstico: Bolsonaro afinal ficou a menos de 2% dos votos da reeleição e continua poderoso nas sondagens mesmo depois de o Supremo sentenciar que liderou uma tentativa de golpe de estado e avalizou um plano para matar os vencedores das eleições, além de ser suspeito de ter metido ao bolso joias oferecidas por chefes de Estado estrangeiros ao Estado brasileiro.

Os primeiros sinais do pós-Bolsonaro, ou pós-apocalipse, chegaram nas eleições seguintes, na forma de Pablo Marçal, um coach que chegou perto de se tornar prefeito de São Paulo usando métodos, de tão torpes, capazes de fazer corar até o ex-presidente.

Há mais sinais, entretanto, à margem da política. Um deles é o “Legendários Brasil”, grupo de cristãos novos ricos, como o pai de Neymar, que pagam fortunas para subir uma montanha e “encontrarem a melhor versão de si mesmos”, diz o lema da coisa. “O Legendários não é só sobre o homem, é sobre uma transformação para a sua família, as esposas unidas orando por eles, eles lá por nós e Deus no controle de tudo”, escreveu uma influencer ex-Big Brother, enquanto o marido, também ex-Big Brother, escalava.

Outro são os “Bebés Reborn”, bonecos hiper-realistas de recém nascidos colecionados por adultos. O problema é que os fabricantes oferecem certidão de nascimento e a possibilidade de simular parto e os compradores andam a entupir filas de hospitais a pedir exames de verdade para os bonecos de mentira. Um padre com 3,7 milhões de seguidores no Instagram – outro sinal pós-apocalíptico – teve até de ir às redes sociais explicar que não batiza “Bebés Reborn”.

E ainda há a moda, já contada pelo DN, dos pastores evangélicos infantis, de 8 a 13 anos, com legiões de fãs adultos que os comparam a Jesus. Valha-nos, portanto, Deus.

Em Portugal, o Chega, para já, só ficou em terceiro. Mas deve passar a segundo, depois de contados os votos dos eleitores deste Brasil descrito acima.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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