O Brasil está mais governável

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Desde a redemocratização de 1988, a relação entre os poderes no Brasil é, basicamente, saudável. Porém, quando não é tratada, deriva em doenças.

Já tem até um histórico patológico, nomeadamente o escândalo do Mensalão, esquema de compra de votos de deputados feito às escondidas nos primeiros Governos do PT.

O advento do Centrão, os 150 a 200 parlamentares que apoiam qualquer Governo, da esquerda à direita, em troca de nacos de Orçamento, é outra doença, até porque, na prática, não passa de um Mensalão - impune - a céu aberto.

E, mais recentemente, foram diagnosticados outros dois graves distúrbios, as “Emendas Impositivas” e o “Orçamento Secreto”, de que falaremos mais adiante.

Primeiro, lembremos que Fernando Henrique Cardoso, o presidente de 1994 a 2002, gastou metade das centenas de páginas das suas memórias a queixar-se da dor crónica que lhe provocava a insaciável gula dos parlamentares.

Foi, aliás, para saciar essa gula que os primeiros Governos de Lula, de 2002 a 2010, inventaram o citado Mensalão, uma droga eficaz, mas proibida.

Por sua vez, Michel Temer, membro histórico da tribo dos insaciáveis gulosos, lidou com o Congresso durante o seu Governo-tampão de 2016 a 2018 como peixe na água (ou sapo no pântano).

Já Dilma Rousseff (2010 a 2016), a antecessora dele, não teve nem a habilidade, nem o estômago dos colegas e acabou engolida pelo Parlamento no famigerado processo de impeachment.

Por isso, o Centrão alastrou com Dilma e conseguiu votos suficientes para aprovar, em 2015, a tal doença das “emendas”, correções ao Orçamento de Estado feitas por parlamentares quase sempre para beneficiar os seus feudos eleitorais, “impositivas”, sem que o Executivo as pudesse, portanto, discutir.

A Jair Bolsonaro (2018 a 2022), sucessor de Temer, sobrou preguiça, um dos pecados capitais que marcam o seu percurso, da tropa até hoje, para lidar com o poder legislativo.

Para poder passear de moto e lancha pelo país, o ex-presidente entregou a condução do Brasil ao Congresso e assim nasceu, em 2020, o “Orçamento Secreto”, que consistia, grosso modo, em impor aquelas emendas descritas acima sem o parlamentar, o valor da transferência ou o destino serem sequer identificados.

Por exemplo, via “Orçamento Secreto” numa cidade do Maranhão de 11 mil habitantes foram realizadas 12 mil radiografias a dedos da mão num só ano. O Piauí, reduto de um aliado de Bolsonaro, recebeu um quinto do total de ambulâncias do país apesar de o estado nordestino representar apenas 1,4% da população. E câmaras municipais do Paraná compraram tratores a preço 259% acima do valor de mercado, daí os nomes alternativos, Tratoraço e Bolsolão, para a doença.

As boas notícias são que um conjunto de hábeis cirurgiões levou o Brasil à sala de operações, que a intervenção foi um sucesso e que o país saiu da clínica a andar pelo próprio pé.

Traduzindo, um grupo de advogados conseguiu que o Supremo Tribunal Federal suspendesse, por unanimidade, as “Emendas Impositivas”, já depois de a corte ter cuidado da sua metástase, o “Orçamento Secreto”, retirando poder da célula afetada da democracia brasileira, o Centrão, e gerando, finalmente, governabilidade ao país.

Mas se a relação entre os poderes no Brasil não for bem tratada pode sempre derivar em novas doenças - até porque o poder legislativo já disse que isto não fica assim.

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