O “bolsonarista moderado”
Como age um “bolsonarista radical”? Assim: em Fortaleza, onde houve uma acirrada disputa na Eleição Municipal de domingo entre o candidato bolsonarista, André Fernandes, e o candidato do PT, Evandro Leitão, o vereador Inspetor Alberto, apoiante do primeiro, publicou um vídeo horas antes da votação a dizer “Leitão, filho da puta, ‘tu vai’ para a churrasqueira, prepara o teu caixão, vagabundo.” Num vídeo anterior, o bolsonarista tortura um leitão que guincha de dor e susto.
E como age um “bolsonarista moderado”? Assim: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, eventual substituto de Jair Bolsonaro nas Presidenciais de 2026 e principal fiador da candidatura de Ricardo Nunes à Prefeitura da maior cidade brasileira, convocou a imprensa na manhã do dia da votação para dizer, ao lado do seu candidato, que recebera informações do Serviço de Inteligência.
“Houve intercetação de conversas e de orientações que eram emanadas de presídios por parte de uma fação criminosa orientando determinadas pessoas em determinadas áreas a votar em determinados candidatos.” Dada a indeterminada frase do governador, os jornalistas perguntaram: “Em quem?”. E ele respondeu: “Em Boulos.”
Traduzindo: na manhã das eleições o principal fiador de um dos candidatos acusou, de mão dada com o protegido dele, com base em coisa nenhuma, que o PCC, maior organização criminosa do país, estava a mandar votar no rival, o esquerdista Guilherme Boulos.
O método não é novo: tem, pelo menos, dois anos. Em 2022, quando concorreu ao Governo Estadual contra Fernando Haddad, do PT, o então candidato Tarcísio sugeriu ter sido alvo de um atentado na comunidade de Paraisópolis, após tiroteio perto de onde se encontrava.
A polícia, porém, afirmou não ter provas suficientes para sustentar a classificação do episódio como “atentado” e investigação do jornal Folha de S. Paulo revelou depois um áudio em que um integrante da campanha da Tarcísio ordena a um repórter de imagem de um canal de direita a exclusão das imagens que este havia filmado sobre o tiroteio. E, segundo reportagem do jornal The Intercept, quatro testemunhas afirmaram que viram o mesmo integrante da campanha de Tarcísio atirar contra um morador da favela, desarmado, o que levou a equipa de Haddad a falar em encenação.
Já eleito, Tarcísio mandou “ir à ONU, ir à Liga da Justiça, ir ao raio que o parta, que eu não estou nem aí”, quem se queixasse da operação policial no litoral paulista que matou 57 pessoas em dois meses.
E semanas depois, foi a Israel encontrar-se com Benjamin Netanyahu, após crise entre o primeiro-ministro de Israel e Lula da Silva, presidente do Brasil, para transmitir solidariedade.
A diferença entre o bolsonarismo que grita “tu vai” e ameaça de morte o rival e o bolsonarismo que sabe conjugar sujeito e predicado e sugere que criminosos são os adversários é, pois, inexistente - uns e outros, no fim das contas, reveem-se e querem herdar os votos de alguém que preferia ver um filho a morrer a namorar um homem, que gritou a uma deputada que só não a violava porque ela era feia, que acha que os brasileiros deveriam ter dizimado mais índios e que dedicou o voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao torturador dela.
“Bolsonarismo moderado” é uma contradição, é um oximoro, é um paradoxo, é um contrassenso, é uma incongruência. E é um mero álibi para quem quer votar nas trevas sem sentimento de culpa.