Ao longo dos quatro anos exerci funções de repórter parlamentar da Rádio Comercial na Assembleia da República. Conheci um espaço institucional onde imperava a ética e o respeito que os deputados mantinham uns pelos outros.As instituições credíveis são vitais para a construção futura de um país. O trabalho desenvolvido num parlamento nacional terá sempre um reflexo, positivo ou negativo, nos dez, vinte, trinta anos que se seguem. O país, futuramente, irá reger-se pela evolução legislativa que o Parlamento for capaz de construir.É na Assembleia da República que se fazem as leis. Os deputados no seu conjunto reflectem a qualidade da produção legislativa, a eficácia e a mais valia das leis que nascem de um trabalho, que pese embora, e bem, as diferenças partidárias e de pensamento, se apresentam ao país como um todo.Durante os quatro anos que exerci funções jornalísticas no Parlamento assisti a discussões violentas, troca de argumentos com vigor, defesa de pontos de vista com entusiasmo, e até uma ou outra picardia menos institucional, mas sempre nos saudáveis limites da urbanidade. As intervenções dos diferentes grupos parlamentares eram preparadas com cuidado, discutidas com eloquência. Imperava um respeito próprio de quem sabe que tem de fazer o melhor, porque o país, a comunicação social, exercia um escrutínio apertado e crítico sobre o resultado final do trabalho dos deputados. Nada, naquela época era brejeirice ou leviandade. Qualquer intervenção de fundo de um deputado pressupunha consultas aprofundadas sobre os temas, estudos detalhados de teóricos, leituras de escritores que tivessem teorizado sobre o assunto em discussão. Havia qualidade nas intervenções dos deputados. Também estavam presentes as tensões dos grandes momentos de debate de onde nascia a súmula que, mais tarde, o país analisaria no seu todo. O escrutínio mediático era feito pelos melhores jornalistas que então trabalhavam no Parlamento, um lugar de eleição na afirmação da profissão. Emídio Rangel, Teresa de Sousa, Pedro Cid, Anabela Neves, Miguel Lemos, Paulo Magalhães, entre outros. Estavam lá, alguns dos melhores, porque o escrutínio tinha de ser feito com rigor, exaustão e qualidade. Era assim e é assim que deve ser hoje. Nos parlamentos nacionais não pode haver lugar à brejeirice ordinária, ao insulto fácil. É suposto um deputado pela responsabilidade que exerce ser alguém culto, sempre bem informado sobre o que vai ser discutido, aberto a novas ideias, eloquente, criativo, sólido e convicto nas suas intervenções. O futuro dos países nasce da credibilidade e da qualidade das suas instituições. Se são fracas, o país não evoluirá, permanecerá atrasado. Os cidadãos, sejam trabalhadores ou empresários, terão dificuldades futuras no exercício das suas profissões por falta de legislação apropriada. É também com a qualidade das instituições que os países crescem financeiramente. E é com esse crescimento que os seus habitantes conseguem melhores condições de vida. Que o SNS melhora, que a habitação se desenvolve, que uma melhor e mais qualificada organização facilita a vida aos cidadãos.Não é aceitável que no bar da Assembleia da República, como hoje parece acontecer, não se possa tomar um café sem escutar um insulto, sem se gerarem situações de tensão. Os corredores do Parlamento terão de ser sempre lugar de cumprimento respeitoso e de salutar reencontro. Não podem ser espaços de insulto suez, de olhares de esgar, de ódios disfarçados.Que país vamos ter, dentro de dez, vinte ou trinta anos se as instituições não assumirem o seu papel de verdadeiros catalisadores de uma sociedade mais justa e equilibrada. Como pode um deputado, no momento em que ocupa um lugar máximo no espaço da vice-presidência de um parlamento enviar um beijo a uma deputada de um outro partido. Mas isto é o quê? Que significado tem na lógica dos trabalhos parlamentares? Porque o faz? Por provocação? Pela orientação sexual da deputada em causa? Por simples ordinarice? Mas afinal o que passa pela cabeça deste homem, deputado, eleito pelo povo, pago pelos nossos impostos, para fazer o seu melhor pelo pais? Qual a finalidade daquele gesto estúpido e sem qualquer sentido lógico. Enviar um beijo a partir da bancada da presidência quer dizer o quê? Afinal que país vamos ter dentro de alguns anos se gente com este comportamento assumir o poder? Se algum significado pode haver naquele beijo do deputado do Chega, Filipe Melo, a Isabel Moreira é a morte anunciada de qualquer sentido ético no exercício da função de deputado. E afinal, para que é que lhe pagamos? Jornalista