O batom

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A oposição brasileira tem como mais recente cavalo de batalha o pedido de amnistia para os detidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Em primeiro lugar, porque Jair Bolsonaro, considerado um dos mandantes da tentativa de golpe de Estado pela Procuradoria-Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal, poderia beneficiar por tabela dessa amnistia.

E, em segundo, porque ao tratar as prisões dos vândalos como injustas, faz passar, no país e, sobretudo, para o estrangeiro, a mensagem delirante de que no Brasil se vive uma ditadura, um regime autoritário, uma guerra jurídica ou algo parecido.

Entretanto, para manter a turba sensibilizada, indignada e alvoroçada, essa oposição precisava de um caso concreto, de uma ilustração gráfica, de uma história individual, como a da cabeleireira Débora Rodrigues, uma das manifestantes que ajudou a destruir a Sede dos Três Poderes naquele 8 de janeiro. Segundo o bolsonarismo digital, Débora arrisca pena de 14 anos apenas por ter grafitado com batom o monumento “A Justiça” em frente ao Supremo.

Não é verdade: ela arrisca essa pena por “deterioração de património tombado”, sim, mas também por ter cometido mais quatro crimes, considerados “extremamente graves” por Celso de Mello, ex-juiz do Supremo nomeado por José Sarney em 1989, como “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, “tentativa de golpe de Estado”, “dano qualificado com violência” e “associação criminosa armada”.

Mas como, segundo juristas, só deve cumprir em regime fechado um sexto dessa pena e já está presa há quase dois anos, sairá da cadeia, o mais tardar, no início de 2026, ainda a tempo de votar no candidato de extrema-direita da sua preferência.

O mais curioso do caso, entretanto, é ver essa extrema-direita, que berrava o slogan “bandido bom é bandido morto” até para ladrões de supermercado, a defender agora amnistia para criminosos, como Débora e outros golpistas, que exigiam intervenção militar no Brasil para manter o derrotado Bolsonaro no poder.

E ainda vê-la a queixar-se das más condições prisionais dos detidos no 8 de janeiro, depois de anos a gritar outro slogan: “Direitos Humanos só para humanos direitos.”

Mais: a extrema-direita, que vibrou, como se fossem golos, com cada detenção, com cada delação, com cada condenação oferecida à imprensa em horário nobre durante a Lava-Jato, uma operação que prendeu, soube-se mais tarde através das reportagens da Vaza-Jato, apenas quem interessava ao projeto político do juiz Sergio Moro e dos procuradores que a levaram a cabo, ataca agora os “abusos da Justiça” contra Débora.

Enfim, o pedido de amnistia para os criminosos do 8 de janeiro pela oposição bolsonarista não passa, do ponto de vista político, de um disfarce, de uma manobra, de um estratagema, de um ardil para maquiar a situação ou, como se costuma dizer na língua inglesa, para passar batom num porco.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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