O amnistiado

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Em 1986, um tenente do exército do Brasil com – segundo relatório dos superiores – “excessiva ambição de se realizar financeiramente”, “tratamento agressivo dispensado aos subalternos” e “falta de equilíbrio na apresentação de argumentos” foi preso durante 15 dias pela polícia militar por ter escrito um artigo na revista Veja sob o título “o salário [dos oficiais de baixa patente] está baixo”.

No ano seguinte, o tenente em causa entregou off the record à mesma revista o plano, com croqui e tudo, de uma operação, chamada “Beco Sem Saída”, para explodir bombas de baixa potência em casas de banho de quartéis com o objetivo de pressionar a cúpula militar a aumentar os tais salários.

Como a revista decidiu, em vez de publicar, informar o exército, o tenente foi declarado “incompatível para o oficialato” e punido com “perda de posto e patente” pelo Conselho de Justificação Militar.

Mas, alegando questões processuais técnicas, o Superior Tribunal Militar reverteu a decisão.

Entretanto, o tenente foi para a reserva com o posto de capitão e iniciou carreira na política, uma atividade que percebeu logo ser muito mais rentável, sobretudo se elegesse também os filhos e enchesse os gabinetes de todos com funcionários fantasmas cujos salários acabassem nos bolsos da família.

Em 1999, já no terceiro mandato como deputado graças aos votos do nicho da população saudosa da ditadura, da tortura, da censura e de outras loucuras (nicho que, anos depois, se revelaria, afinal, uma maioria), disse em entrevista à Band que os militares deveriam ter fuzilado “uns 30 mil corruptos, a começar pelo Fernando Henrique Cardoso”, então presidente. Na conversa, defendeu ainda “o fecho do Congresso”.

Cardoso respondeu que “essas afirmações provam que esse deputado ainda não se converteu à democracia”. E Antônio Carlos Magalhães, presidente do Senado à época, exigiu a suspensão do mandato dele.

A Corregedoria da Câmara colocou-a em discussão mas o baixo clero da casa, a que o deputado pertencia, bloqueou-a.

Já presidente da República, liderou um plano de golpe de estado para se manter no poder mesmo se perdesse a reeleição. Estimulou manifestações a favor de intervenção militar, leu e editou uma minuta com o passo a passo do golpe, convocou reuniões com os chefes das Forças Armadas para discutir o tema, permitiu que os generais mais alucinados do seu entorno colocassem no terreno uma operação para executar o presidente e o vice-presidente eleitos. Etcétera.

Desta vez, com o Mundo a ver, acabou condenado.

Mas os amigos estão a trabalhar nos bastidores por uma “amnistia ampla, geral e irrestrita” no Congresso e, caso não resulte, por um “indulto presidencial” já prometido pelo candidato a sucessor.

Será que o ex-presidente que quis golpear a democracia por sede de poder, o ex-deputado que queria fuzilar um chefe de estado por ódio, o ex-tenente que queria lançar bombas nos quartéis por ganância, vai se safar outra vez?

Jornalista, correspondente em São Paulo

Diário de Notícias
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