O algoritmo
Há cerca de uma semana a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) produziu, finalmente, o seu estudo sobre a recuperação do tempo de serviço docente, sete meses depois de ter sido pedido pelo grupo parlamentar do PSD.
São mais de 100 páginas que dão uma sensação de complexidade e solidez, apresentando diversos cenários, apoiados em descrições metodológicas e quadros mais ou menos extensos. Haverá quem, perante isso, receie desbravar o que está escrito e é apresentado como facto fundamentado, preferindo replicar o que alguma comunicação social decidiu colocar em destaque.
Claro que o mais imediato foi escrever ou dizer que “em velocidade de cruzeiro”, a partir de 2028, o custo (bruto) da recuperação seria de 469 milhões de euros, tendo os mais atentos acrescentado que o valor líquido seria de 202 milhões. Só que essa formulação, nascida do conteúdo do próprio relatório, transmite uma ideia errada do valor em causa, pois esse é o valor total acumulado para o período de 2024-2028, e não o valor anual a partir de 2028. Na página 71 do relatório, no ponto 212, lê-se que a “aplicação da modulação da medida neste cenário 3 implicará a subida da despesa bruta (líquida) com pessoal no ano cruzeiro de 2028 em 469 milhões€ (202 milhões€) face à ausência de medida”, mas o valor refere-se à despesa total e não à despesa no ano de 2028.
Alguns profissionais da opinião elaborada a olho e preconceito aproveitaram para escrever coisas como “serão€91 milhões este ano e€490 nos anos seguintes, em velocidade de cruzeiro” (Expresso, 21 de junho de 2024, p. 3), numa sucessão de erros factuais que criam uma narrativa ficcional, mistificando a opinião pública.
O Ministério da Educação apressou-se a esclarecer que os seus cálculos são diferentes, explicando que “a diferença resulta da adoção de critérios e cenários diferentes do cálculo do custo, nomeadamente a idade de saída para a reforma”, mas não os apresentou em detalhe. Dias depois foi a vez de a ANDE (Associação Nacional de Dirigentes Escolares) apresentar as suas observações sobre o estudo, entre as quais está que “faltam alguns dados primários importantes no aperfeiçoamento do algoritmo da UTAO”.
Algoritmo que surge no relatório pela primeira vez no ponto 21, onde se pode ler que “adota uma posição moderada, que consiste na reposição a zero do contador de tempo de serviço das pessoas que em 29/02/2024 tinham: mais de 48 meses de tempo de serviço nos escalões 1 a 3 e 7 a 9; mais de 60 meses no escalão 4; […]”.
Como o algoritmo só pode fazer o que lhe mandam, ainda não existindo o “algoritmo-mestre” (cf. Pedro Domingos, A Revolução do Algoritmo-Mestre, 2017) que permita ir mais além, todos os cálculos da UTAO desenvolvem-se sobre o pecado original de considerarem que todos os docentes, desde o 1.º escalão da carreira, passaram pelos dois congelamentos e têm todo o tempo em falta por recuperar. O que está longe de ser verdade, porque muitos milhares entraram na carreira mais tarde ou mesmo depois dos congelamentos, pelo que os cálculos estão irremediavelmente inflacionados.
O que significa que mesmo os 18 milhões de euros apontados como encargo líquido para este ano ou os 202 milhões no total até 2028 deverão ser revistos, com o apuramento rigoroso de quem beneficia e o quê com esta recuperação de tempo de serviço. Para que, no fim, a culpa dos erros cometidos seja atribuída apenas ao pobre algoritmo.