O Algarve é um caso de estudo. Bafejado por um clima excecional e pelas melhores praias da Europa, continua sem encontrar uma fórmula de desenvolvimento social e económico que não dependa da especulação, do abuso de preços e de uma certa ingratidão. Para muitos portugueses que lá passam férias ano após ano, é chocante constatar que grande parte dos empresários do turismo algarvio, a que se juntam muitos residentes, nos olha como clientes de segunda, a depenar. A primazia, essa, é reservada aos estrangeiros, que pagam tudo sem pestanejar. Diz a teoria que é o risco que justifica o lucro. Mas no Algarve a cartilha é outra. Quando as coisas correm mal, como na pandemia da Covid-19, os prejuízos são rapidamente socializados. Quando o vento sopra a favor, os preços disparam sem pudor, inflacionando alojamento e restauração até níveis proibitivos, que afastam a maioria dos portugueses. Durante a pandemia, o setor beneficiou de um vasto pacote de medidas públicas: apoios diretos à tesouraria, linhas de crédito específicas, ajudas a fundo perdido e até um plano estratégico de relançamento de longo prazo, o “Plano Reativar o Turismo”. No total, foram injetados cerca de 2,8 mil milhões de euros, suportados pelos impostos de todos nós, com o objetivo de manter empregos, assegurar liquidez às empresas e preparar a retoma. Passada a tormenta, veio a ingratidão. Perante o aumento da procura de turistas estrangeiros, em particular norte-americanos endinheirados, os empresários lançaram-se numa escalada de preços sem paralelo, totalmente desligada dos custos de produção e que deixou os portugueses fora de jogo. Há duas dimensões que tornam esta realidade ainda mais chocante. A primeira é a comparação com os preços de outros destinos: o Algarve está hoje bem mais caro do que os seus concorrentes diretos, a começar pelo sul de Espanha. Os hotéis habituaram-se às tarifas acima dos 400 euros por quarto; os restaurantes cobram pela cerveja e pelo vinho quatro a seis vezes o preço do supermercado. A segunda dimensão é a qualidade, que deveria justificar os preços praticados. O que se vê, porém, é uma degradação sem precedentes: mão de obra cada vez mais impreparada e barata, serviços de quartos tardios, esperas intermináveis nos restaurantes. Tudo piorou. Mesmo nos supermercados, a surpresa foi negativa. As principais cadeias, que no resto do país garantem padrões de qualidade e organização irrepreensíveis, no Algarve apresentam um desleixo que mais parece de terceiro mundo. Tudo é medíocre – da arrumação às prateleiras e aos produtos expostos –, desde que as caixas continuem a funcionar.E, apesar disto, muitos empresários do setor já começaram a espalhar a narrativa de que o verão foi mau, que houve menos clientes e receitas. O problema, porém, não é a falta de turistas: é a falta de vergonha. E, pior, a falta de futuro para os algarvios.