Neste (sempre) melancólico final de férias, e em homenagem ao Algarve, decidi recordar o grande escritor português que foi nosso Presidente da República e que tão bem sentiu esta paisagem belíssima do Barlavento Algarvio.A primeira vez que ouvi falar em Teixeira Gomes foi em criança, quando minha tia, professora em Portimão, me trouxe a ver uma representação que nesta cidade teve lugar da peça Sabina Freire. Não terei entendido tudo na altura, mas ficou em mim a recordação de um sentimento opressivo à volta de um ninho de maldade, que, lendo hoje a peça, venho reencontrar e reconhecer, descobrindo o talento, ao mesmo tempo, satírico e trágico, de quem sabe fazer de um episódio funesto uma divertida comédia.Também os textos em que o nosso autor considera a paisagem “entre a Ponta do Altar e a Ponta da Piedade, isto é, desde a barra de Portimão até ao fecho da baía de Lagos” como “a realização perfeita da paisagem marítima grega” me abriram mais os olhos e a sensibilidade para esta paisagem, terra hoje tão agredida e degradada por uma construção sem regras, mas que vive para sempre no Agosto Azul de Teixeira Gomes como no Livro Sexto de Sophia ou em muita da poesia de Nuno Júdice. Os grandes escritores e os grandes artistas têm este dom único de nos guardar para sempre a beleza, por mortal que ela seja. E para Teixeira Gomes escrever é quase sempre “exteriorizar uma impressão estética”, donde o predomínio da descrição nas suas obras, como justamente nota Helena Buescu: “para Teixeira Gomes, não haveria vida alguma em que um olhar atento não viesse a descobrir a agudeza da diversidade e da diferenciação”.Antecipando as reflexões mais modernas de um Theodor Adorno e de um Edward Said sobre a maior ousadia e inovação que podemos muitas vezes encontrar nas obras tardias da velhice dos criadores (os últimos quartetos de Beethoven, os autorretratos finais de Rembrandt), Teixeira Gomes nota nas suas Cartas a Columbano que “certos pintores (...) atingem na velhice não sei que efeitos quase imateriais, de que a alma se repassa com indizível deleite. O maior exemplo é o Rembrandt”. O próprio Teixeira Gomes escreve grande parte da sua obra em idade avançada, embora aos oitenta anos se queixe a Norberto Lopes, que o fora entrevistar a Bougie, de lhe estarem a falhar as suas capacidades físicas e mentais. Escreve mesmo a João de Barros: “A parte mais dolorosa da senilidade consiste em assistir, consciente mas impotente, à nossa própria ruína mental”.Teixeira Gomes interrompeu a sua produção literária com a instauração da República em Portugal, em razão de toda a grande atividade e altas responsabilidades diplomáticas e políticas que lhe foram exigidas e a que ele se dedicou com grande empenho e invulgar inteligência. Só mais tarde, no exílio a que se votara desde a sua demissão da Presidência da República em 1925, recomeça a publicar.O juízo final que este excecional homem político fez da política a que tanto deu é amargo e melancólico:“A política, longe de me oferecer encantos ou compensações converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Dia a dia, vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as minhas ilusões políticas. Sinto uma necessidade, porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros”.Continuo a acreditar que, passados cem anos, é possível dar à política democrática mais força e mais sentido do que ela teve para Teixeira Gomes.Diplomata e escritor