O "Africa Tour" de Lavrov: consolidação dos primeiros passos para uma estratégica russa para o continente?
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Lavrov, iniciou esta semana uma visita de Estado ao continente africano (a sexta num período de dois anos), viajando até à Guiné, ao Burkina Faso, ao Chade e à República do Congo. Acompanhado por aquele se que tornou de facto o dirigente do Africa Corps, Averyanov, o ministro Adjunto da Defesa Yevkurov tinha já iniciado, a 31 de maio, visitas à Líbia, ao Mali e ao Níger.
A Federação Russa procura novos parceiros económicos e mercados, assim como novas alianças estratégicas. Para alguns, criou-se um espaço “salutar”, de concorrência, numa lógica de “oferta-procura” alinhada com interesses de diferentes nações, e, no caso russo, com uma visão agora de longo prazo. Tal foi impulsionado não só pelo fim da empresa privada militar Wagner e, subsequente, criação do Africa Corps, mas também pela redução do espaço de cooperação dos parceiros europeus e norte-americanos com vários Governos africanos, em particular no espaço francófono e em países liderados por juntas militares.
Na verdade, a presença militar russa em África conheceu um significativo desenvolvimento. Era já o principal exportador de armas para África (40% do mercado entre 2018-2022). Este ano, estabeleceu a sua primeira base militar no continente, no Burkina Faso - um dos países que compõem a Aliança dos Estados dos Sahel (AES) e onde a influência russa era, até recentemente, pouco descortinável.
Na Guiné e na República do Congo, consolidou relações de longa data. No primeiro, tem um importante parceiro comercial para fornecimento de minerais e, no segundo, um aliado político com influência no continente.
No Chade, as eleições organizadas em maio vieram legitimar o regime de Mahamat Déby (que tomou o poder em 2021 no seguimento do falecimento do presidente Déby, seu pai).
Próximo da AES, o Chade mantém ainda uma relação privilegiada com França. A visita de Lavrov representou um reinício das relações Chade-Rússia, depois do Wagner (conhecido por agir de forma independente, mas frequentemente ao serviço do Kremlin) ter, no passado, apoiado rebeldes chadianos.
Excluídos desta visita de Lavrov ficaram dois parceiros africanos estratégicos, onde o fim do Wagner ditou também um realinhamento da política russa: a República Centro-Africana (RCA) e o Sudão. A RCA constitui um caso relevante de influência russa no continente. Ainda que não existisse um acordo formal entre os Governos centro-africano e russo, a presença russa existia, de facto, sendo, há muito, um parceiro estrangeiro incontornável (através do aconselhamento militar, mas também político e económico) para o presidente Touadera.
Porém, apesar da influência, nomeadamente através do Wagner, em termos de negócios, incluindo acesso a recursos mineiros, e junto da Administração centro-africana, os ganhos políticos para o estado russo não foram significativos.
Onde o xadrez estratégico mais se manifesta é no Sudão e, consequentemente, no Mar Vermelho. O regime russo era já próximo do presidente Bashir, tendo, juntamente com o Sudão, facilitado os acordos de paz para a RCA em 2016. Elementos do Wagner marcaram presença no Sudão a partir de 2018, inicialmente com o objetivo oficial de garantir a segurança de minas de ouro. Se, por um lado, o Wagner estabeleceu uma relação próxima com Hemetti, atualmente, a Rússia apoia o general al-Burhane.
Na verdade, Moscovo deseja, há muito, ganhar acesso a um porto no Sudão com ligação ao Mar Vermelho, contribuindo para a sua expansão no Mar Mediterrâneo, e para o potencial posicionamento enquanto potência naval no Oceano Índico Ocidental - assim rivalizando com os Estados Unidos da América, União Europeia e Turquia.
O (re)posicionamento da Rússia no continente mostra uma vontade crescente de se apresentar como alternativa às parcerias ditas tradicionais dos regimes africanos, sobretudo com países da Aliança Atlântica. A par da existência de novos e maiores mercados beneficiando tanto a Rússia como os seus parceiros africanos, espera-se que a pegada militar russa no continente conheça uma sedimentação no quadro de uma parceria mais estratégica, mas, ainda assim, estabelecida caso a caso.