Não deixamos murchar os cravos

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Ao passar, o tempo vai levando os protagonistas da Revolução do 25 de Abril.

Das gerações de lutadores que, ao longo de décadas, se bateram contra o fascismo vão restando cada vez menos memórias vivas.

Perdem-se os seus testemunhos sobre a experiência acumulada nas condições daquele tempo e a possibilidade de olhar para a nossa própria circunstância pelos seus olhos.

A coragem fica entregue ao retrato à distância pela historiografia - a mais e a menos oficial - sem a possibilidade do relato pessoal de todas as pequenas circunstâncias que a construíram em cada uma das pessoas que dela se muniram para fazer uma Revolução. Das pessoas que fizeram a Revolução antes dela acontecer e das que ergueram depois tudo aquilo de que ela foi feita.

Desaparece a possibilidade de recolher os ensinamentos de quem soube, como a formiga da cantiga, resistir às dificuldades e aproveitar as oportunidades que lhe apareciam para tornar possível inverter o rumo do carreiro.

O tempo que nos é dado viver não nos coloca perante circunstâncias tão difíceis como aquelas em que germinou a Revolução de Abril. Não nos confronta com decisões tão exigentes como aquelas que então tinham de ser tomadas. Não nos desafia a actos heróicos para os quais não sabemos sequer se estaríamos preparados.

Este tempo que nos é dado viver tem circunstâncias e condições diferentes. Vivemo-lo tendo aprendido a lição de que a Revolução não é um acto súbito e que também a luta de resistência é construção revolucionária.

Resistir à torrente que nos empurra num sentido contrário àquele para onde se avançou há 51 anos é um dos desafios da construção revolucionária do nosso tempo.

Transformar o descontentamento popular em elemento de construção de um regime democrático que, nestes 51 anos, tem estado sempre inacabado, é outro.

É perante essas e outras circunstâncias que se faz a prova de estarmos ou não à altura das exigências deste nosso tempo.

Há quem propagandeie desânimo e descrédito quanto à existência de forças capazes de defender o regime democrático, fazê-lo cumprir e aprofundá-lo. Quem ponha os olhos no espaço colectivo da luta política e social saberá que não é assim.

E se houver quem duvide, que ponha os olhos na moldura humana dos milhares de iniciativas das comemorações populares do 25 de Abril dos últimos dois anos. Identificando nessas iniciativas quem nelas participou tendo menos anos de vida que aqueles que a Revolução tem de realizada, ter-se-á uma amostra das forças com que se conta para fazer esse caminho.

Juntando-a às outras que diariamente, nas mais diversas circunstâncias da vida social e económica, se congregam em pequenas lutas pelo cumprimento das grandes conquistas da Revolução de Abril há razões para acreditar que há forças suficientes para não deixar murchar os cravos.

Eurodeputado

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