Nunca em sacrifício dos doentes

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Um recente coro de críticas ecoou contra os anunciados cortes no SNS. E com razão, ninguém acredita que seja possível cortar centenas de milhões sem prejudicar os doentes. A proposta de Orçamento do Estado prevê retirar cerca de 800 milhões de euros nas compras do SNS, o que equivale a reduzir 10% da despesa corrente de hospitais e centros de saúde. Os governantes evitam a palavra “corte”, preferindo “melhorar a eficiência”. Mas, independentemente do eufemismo, a realidade é simples: menos dinheiro disponível significará menos cuidados, numa altura em que o sistema já se encontra com enormes dificuldades.

O SNS existe para defender os doentes. Foi criado para garantir o acesso a cuidados de saúde de qualidade para todos. Essa missão não é compatível com medidas que atrasem diagnósticos ou limitem tratamentos. No final de junho, quase um milhão de utentes aguardavam por uma primeira consulta, e mais de metade já ultrapassaram os tempos máximos de resposta garantidos. Como aceitar, então, orientações para “abrandar” consultas e cirurgias? É impensável trair o dever de cuidar.

O rigor financeiro é necessário, e o orçamento não é elástico. Mas escolher cortar despesa na Saúde é uma decisão política que reflete prioridades questionáveis, sobretudo quando há outras áreas onde procurar poupanças. Mesmo admitindo a necessidade de otimizar custos, não se pode começar pelo fim, cortando na assistência aos doentes. Pedir aos hospitais que reduzam atividade, como foi noticiado esta semana, sabendo o impacto negativo nos doentes, é inadmissível. Por mais que se fale em “melhorar a eficiência” ou em cortar nas “gorduras”, pretender reduzir a despesa e, ao mesmo tempo, melhorar o SNS é uma equação impossível. Quem verdadeiramente conhece o setor sabe o peso crescente e inevitável dos custos com a inovação, a tecnologia e os recursos humanos.

Existem, contudo, caminhos para poupar. O combate à fraude e ao abuso de recursos, estimados em 800 milhões de euros, é essencial. A melhoria da gestão e das compras, a renegociação de contratos e a redução de burocracia podem libertar verbas sem comprometer a qualidade. Mas o verdadeiro salto pode estar na transformação digital do SNS, com um processo único de saúde eletrónico, plataformas interoperáveis e telemedicina, que pode reduzir desperdícios, evitar duplicações e encurtar listas de espera. A inteligência artificial, aplicada de forma ética e supervisionada, pode ajudar na gestão e nos cuidados, permitindo que os médicos se concentrem no que é insubstituível: o contacto humano. Em suma uma gestão eficiente e rigorosa.

A sustentabilidade financeira é indispensável, mas nunca à custa dos doentes. A saúde não é uma variável orçamental, é um direito fundamental. “Otimizar recursos” não pode significar negar cuidados ou adiar cirurgias. Rigor, sim; cortes cegos, não. Os doentes não são um desperdício, o SNS só cumpre a sua missão se for moderno, eficiente e, acima de tudo, fiel à sua missão de cuidar.

Bastonário da Ordem dos Médicos

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