Números a concurso

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Aproxima-se mais um período de sobreaquecimento na manipulação estatística na área da educação. A carência de professores e o número de alunos sem aulas a uma ou mais disciplinas vão ser um campo de batalha no qual, como em todas as guerras, os factos se tornam secundários perante as exigências da propaganda. A verdade, com todas as limitações que é moda colocar-lhe, é uma das primeiras vítimas num combate sem vencedores.

De um lado, depois de promessas de fazer tudo para ultrapassar um problema que o ano letivo passado apresentou traços muito sombrios, já se ensaiou uma tática de hiperbolizar as dificuldades para o menor dos conseguimentos surgir como enorme conquista no meio de tanta adversidade.

Do outro lado, alguma ansiedade por aumentar o dramatismo da situação para potenciar a insatisfação, nem sempre com o intuito de resolver seja o que for ou de fazer propostas exequíveis para minorar um fenómeno sem solução razoável no curto prazo.

Pelo meio, o demagógico e populista recurso ao “interesse dos alunos” para justificar eventuais decisões e medidas mais do que discutíveis, apresentando-se como temporário o que se deseja ser definitivo. Refiro-me ao modelo de colocação de professores que algumas pessoas que optam por truncar causalidades gostam de apresentar como responsável pela carência assimétrica de docentes no país.

O projeto é o de fragmentar o concurso nacional num mosaico “territorializado”, a fazer lembrar os miniconcursos de outrora, ou de avançar mais pela contratação e vinculação direta de professores pelas escolas, ou municípios, ou comunidades intermunicipais. A pretensa “racionalidade” da solução, com muito pensamento mágico e pouco de “bala prateada”, postula que é mais fácil resolver estes problemas num modelo de “proximidade”.

O que é falacioso, pelo simples facto, incontornável, de que se existem mais professores em zonas do país que não correspondem àquelas onde existe procura, a solução não passa pelo modelo de concurso, mas pelo apoio à deslocação dos docentes. O que é possível sem qualquer necessidade de mudar o concurso, atomizando-o de forma a torná-lo menos transparente e mais permeável a metodologias muito discutíveis de recrutamento e seleção. Isto não é qualquer teoria da conspiração delirante, mas apenas a constatação factual do que se passou, por exemplo, em tempos da BCE (Bolsa de Contratação de Escola) e sobreviveu em alguns meandros da chamada oferta/contratação de escola.

A “autonomia” das escolas ou a bondade da “proximidade” de soluções locais estão por demonstrar, nada impedindo que os municípios onde existe maior carência de docentes criem medidas de apoio à sua deslocação e fixação. A réplica de que para isso querem ter uma palavra em quem é contratado ou vinculado tem a sua lógica, mas não é difícil encontrar exemplos de nepotismo e distorção na criação e aplicação de critérios de seleção em concursos locais.

Quem acusa o concurso nacional de colocação de professores de ser “estalinista” é porque desconhece como eram recrutados local e regionalmente os professores na URSS.

Quem o acusa de “arcaico” faz por ocultar o fracasso recente de grande parte das soluções “descentralizadoras” das últimas décadas.

Apesar das numerosas distorções que lhe foram introduzidas, este concurso é um raro caso de sobrevivência de um mecanismo de recrutamento para a Administração Pública com critérios transparentes.
Mas querem acabar com ele. 

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