Outros presidentes sul-coreanos foram alvo de impeachment nestas já mais de três décadas de plena democracia do país, sem nunca as instituições abanarem verdadeiramente, mas a recente crise provocada pela instauração da Lei Marcial pelo presidente Yoon Suk Yeol constituiu um sério choque para o país, por lembrar demasiado o tempo da ditadura militar. Foi falso alarme..Logo naquele 3 de dezembro, os sul-coreanos saíram para a rua em Seul em desafio da decisão presidencial, apoiaram os deputados da oposição (e não só) que revogaram o decreto de Yoon, e passados uns dias o Parlamento votou a destituição do presidente, a qual fica em suspenso durante um máximo de seis meses até ser confirmada, ou não, pelo Tribunal Constitucional, com novas eleições..Esperava-se o regresso a uma certa normalidade política, sempre relativa dada a permanente ameaça norte-coreana, mas agora também o presidente interino, Han Duck-soo, foi destituído pelo Parlamento, acusado de não nomear os três juízes em falta no Constitucional, importantes, pois só seis estão em funções, e seis é o mínimo para garantir que Yoon sai de vez, dada a gravidade das ações..Yoon esteve mal ao decretar a Lei Marcial. Apesar da retórica eternamente agressiva da Coreia do Norte, a pujança da Coreia do Sul passa pela liberdade, que marca a diferença na Península, dividida desde o fim da Segunda Guerra Mundial. E a sua força é esse apego à democracia, tanto como a prosperidade económica e as poderosas Forças Armadas..O presidente alegou conspirações pró-Pyongyang para uma rebelião, mas ninguém acreditou em tal, e agora é ele que responde por insurreição por ter tentado impedir, a 3 de dezembro, que os deputados se juntassem para votar contra a Lei Marcial. O caso estar a tornar-se um folhetim, com o arrastar da luta entre a direita que é campo do presidente e a esquerda que controla o Parlamento, afeta, porém, a imagem do país e, pior ainda, a economia nacional, que é a quarta maior da Ásia e a 12.ª mundial, com a Bolsa de Seul ontem em queda e o won a atingir o valor mais baixo em 15 anos..Mas há lições de maturidade democrática a retirar mesmo do folhetim, que até levou à destituição de um presidente interino, ex-primeiro-ministro, e a sua substituição por outro, o até agora vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Choi Sang-mok. É que não só Yoon reconheceu ter estado mal ao decretar a Lei Marcial, como Han discordou agora da votação que o removeu do cargo, mas acatou a decisão do Parlamento controlado pela oposição. E Choi aceitou assumir a Presidência interina apesar das condições em que esta lhe chega. Este é um teste à democracia sul-coreana, um teste bizarro, admita-se, mas, no final, pode dar-lhe nova força. O mundo, com tanta gente que gosta dos telemóveis Samsung, das bandas de K-Pop ou do Kimchi, está atento..Diretor-adjunto do Diário de Notícias