Novo Banco: venceu o mal menor?

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A venda do Novo Banco ao BPCE, por 6,4 mil milhões de euros, veio colocar um ponto final num processo que remonta à resolução do BES, em 2014. E, que, duran te anos, suscitou grandes interrogações sobre a utilização de fundos públicos para socorrer um grande banco.

Já muito foi escrito sobre a resolução do BES e as eventuais alternativas que poderiam existir. Há quem considere que a resolução foi a pior solução, mas apenas se excluirmos todas as outras possibilidades. A nacionalização representaria um risco imenso para o Estado e a liquidação – deixar simplesmente o banco falir – teria custos elevadíssimos, que chegaram a ser estimados em mais de 35 mil milhões de euros. Temos, por outro lado, quem argumente que uma recapitalização pública, semelhante às que tiveram lugar na CGD e no BCP, teria sido preferível, mas os riscos seriam muito elevados, nomeadamente devido ao facto de manter dentro do perímetro do banco todos os problemas que, com a resolução, foram passados para o chamado “BES mau”. Afinal, é importante lembrar, por alguma razão o BES entrou em colapso e teve de ser intervencionado. A resolução, decidida pelo governador Carlos Costa com o apoio do então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, foi a resposta a um problema que foi criado pela forma irresponsável como o BES foi gerido durante mais de dez anos e que tinha contornos distintos daquilo que aconteceu na CGD, no BCP e outros bancos, devido à forma como o banco e o Grupo Espírito Santo estavam interligados e a práticas de gestão que estão na mira da Justiça.

Podemos ainda questionar se teria sido preferível o Estado e o Fundo de Resolução manterem o controlo do Novo Banco, não o vendendo ao fundo Lone Star em 2017. Neste caso, os 6,4 mil milhões de euros que a venda vai originar seriam inteiramente destinados aos cofres públicos, recuperando assim a maior parte dos 8,4 mil milhões que foram injetados no Novo Banco ao longo de uma década.

Há, pois, quem questione o porquê de terem sido os privados a colher os frutos do turnaround do Novo Banco, quando na verdade foram o Estado e o Fundo de Resolução a suportar os custos dessa duríssima reestruturação, com o mecanismo de capital contingente a assumir 3,5 mil milhões de euros em perdas com ativos problemáticos do Novo Banco.

Estas são questões válidas, que não podemos ignorar. Basta recordar que a Caixa Geral de Depósitos, que é um banco público, teve também de realizar uma profunda reestruturação durante a última década, tendo recebido mais de cinco mil milhões de euros do acionista Estado. Tal como no caso da reestruturação do Novo Banco, este esforço gerou grandes resultados e o balanço da Caixa ficou livre de muitos créditos problemáticos que tinha acumulado nas décadas anteriores. Desde então, o banco público, liderado por Paulo Macedo, tem entregado dividendos históricos ao Estado e já devolveu toda a ajuda que recebeu. Em teoria, o mesmo poderia ter sido feito no Novo Banco, com uma gestão profissional nomeada pelo Estado e pelo Fundo de Resolução, pelo que não colhe o argumento muitas vezes repetido de que não existia know-how na esfera pública para fazer esse trabalho de recuperação.

No entanto, esta forma de ver a questão é redutora, porque o tema não se esgota por aqui. Manter o Novo Banco totalmente na esfera do Estado e do Fundo de Resolução iria contra as regras europeias sobre o auxílio de Estado a bancos. A manutenção do Novo Banco na esfera pública obrigaria a um plano de reestruturação mais exigente e difícil, eventualmente com partilha de perdas pelos acionistas (o Estado e o Fundo de Resolução) e obrigacionistas, porque Bruxelas concluiria que estava em causa uma distorção da concorrência.

É fácil fazer prognósticos para coisas que já aconteceram e argumentar com base em sucessivos “e se?”. Porém, em 2017 ninguém sabia ao certo quanto custaria a reestruturação do Novo Banco. Havia a possibilidade de serem necessárias injeções contínuas de capital, que teriam de ser assumidas pelo Estado e pelo Fundo de Resolução e que poderiam superar o limite definido no mecanismo de capital contingente. Enquanto isso, estaria em causa a credibilidade da banca portuguesa, com o quarto maior banco em ativos a permanecer um fator de instabilidade e incerteza que poderia contaminar todo o sistema. A venda a um fundo internacional especializado em recuperação de empresas em dificuldades foi uma forma de conter os estragos e de sinalizar ao mercado que o Novo Banco seria recuperado.

Por fim, não é claro que, com uma gestão pública, o Novo Banco conseguisse ser vendido por 6,4 mil milhões de euros, apesar de existir esse know-how na banca do Estado. As decisões políticas também seriam decisivas nesse processo e a gestão pública teria de lidar com essas condicionantes. Basta ver, a título de exemplo, que o Estado está a tentar vender a TAP há mais de dois anos.

A venda ao grupo francês BPCE, um gigante da banca cooperativa que prometeu fazer o Novo Banco crescer e afastou despedimentos, acaba por ser o corolário de um processo que teve um início polémico, com vencedores e vencidos, incluindo milhares de pequenos investidores lesados com produtos de poupança do antigo BES que não transitaram para o Novo Banco; que incluiu decisões ainda por explicar, nomeadamente em relação à venda de alguns ativos do Novo Banco; e que deixou um gosto amargo em muitos investidores nacionais e estrangeiros que ainda hoje não confiam no mercado de capitais português.

Porém, olhando para trás e para tudo o que sabemos hoje, este processo poderia ter acabado de forma bem pior. Tanto no dia que diz respeito à resolução como à venda à Lone Star e à forma como o Novo Banco foi recuperado, as alternativas seriam piores. Entre o mau desfecho e o péssimo, terá vencido o primeiro, que era o possível.

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