No país do fundão

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Em fevereiro, o senador Efraim Filho, do União Brasil, partido que é um dos expoentes do centrão, o conjunto de cerca de 150 deputados assumida e orgulhosamente oportunistas, foi feroz na defesa da contenção orçamental, do corte de despesas, da responsabilidade nos gastos públicos, ao assumir uma comissão parlamentar dedicada ao tema.

“Temos de entender que a expressão da moda é equilíbrio orçamental”, disse Efraim. Para o senador, essa tinha de ser a premissa da comissão para evitar “gastança desenfreada” que causasse “impacto na sociedade”.

Em junho, Hugo Motta, o presidente da Câmara dos Deputados, que é do Republicanos, outro expoente do centrão, reforçou aquele mantra. “O governo Lula deve fazer o dever de casa e cortar gastos, o executivo não pode gastar sem travões”, afirmou com voz grossa e olho vigilante.

É o velho braço de ferro: a esquerda tende a gastar em programas sociais, supostamente para diminuir a desigualdade, a direita prefere privilegiar as contas públicas em ordem, alegadamente em nome da responsabilidade. Como ninguém está completamente certo nem completamente errado, é ali, na ténue frincha entre as duas históricas posições, que o Brasil é gerido.

Mas agora já não estamos nem em fevereiro, nem em junho e sim em outubro, quando começa oficialmente a contagem decrescente para as eleições gerais de daqui a exatamente um ano. 

E quando se fala em eleições, fala-se em campanha. Ora, os partidos no Brasil, muitos deles geridos como negócios familiares, em que o filho do presidente sucede ao pai, o neto sucede ao filho e por aí adiante, já têm um generoso fundo público, chamado popularmente de “fundão”, de 1,4 mil milhões de reais - cerca de 230 milhões de euros - para gastar em tempos de antena, cartazes e afins. 

Porém, com o voto favorável do União Brasil, do rigoroso senador Efraim, e do Republicanos, do austero deputado Motta, o parlamento aprovou nesta semana uma reserva de mais 4,9 mil milhões de reais - à volta de 800 milhões de euros - para se juntar àquele já gordo fundão. São, portanto, em torno de mil milhões de euros para os tais tempos de antena, os tais cartazes e os tais afins.

Ou seja, para programas sociais de combate à pornográfica desigualdade brasileira aplique-se “a contenção orçamental”. Para as essenciais e deterioradas Educação e Saúde, áreas para as quais o governo de Michel Temer, com o apoio do citado centrão, até estabeleceu um teto de gastos em 2017, evite-se a “gastança desenfreada”. 

Mas para que os senhores congressistas trabalhem para a reeleição já se justifica criar um fundão de mais de mil milhões de euros numa campanha à grande e à americana, como se gastar mais nos tempos de antena, nos cartazes e afins fosse sinónimo de eleição de melhores representantes dos cidadãos. 

E pensar que a proibição, decidida pelo Supremo em 2015, do financiamento de campanhas por empresas privadas servia para moralizar a política…

Jornalista, correspondente em São Paulo

Diário de Notícias
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