No Natal, as crianças estão a assistir
O Natal deveria ser paz e amor, tempo de estar em família e com todos aqueles de quem gostamos. Deveria ser um tempo de atenção e cuidado, embrulhados em empatia e compaixão. Mas nem sempre é assim.
Se observarmos com especial atenção esta época do ano percebemos que há muita mentira, tristeza e tensão camuflados pelo brilho das luzes e pelas cores dos presentes. Não é por acaso que o Natal, tal como outras épocas festivas e de férias, é considerado uma situação potencialmente indutora de stress.
Para muitos, a aproximação do Natal começa desde logo por fazer aumentar o nível de ansiedade. Antecipam-se os reencontros com familiares com quem, tantas vezes, existem conflitos mal resolvidos ou cortes relacionais. As conversas tensas à mesa, os lugares vazios das pessoas que já não estão, o faz-de-conta-que-está-tudo-bem-e-que-somos-todos-muito-felizes. E as crianças a assistir.
Para muitos casais, a gestão desta época festiva pode também ser particularmente desafiante, procurando formas de negociar os diferentes rituais das famílias. Temos ainda os casais que já decidiram separar-se, mas que o farão apenas no dia 1 de janeiro. Entendem que poderá ser melhor para as crianças adiar essa decisão, sacrificam-se em prol de uma aparente imagem de felicidade e arrastam-se pelas festas cheios de amargura e azedume. E as crianças a assistir.
"As conversas tensas à mesa, os lugares vazios das pessoas que já não estão, o faz-de-conta-que-está-tudo-bem-e-que-somos-todos-muito-felizes. E as crianças a assistir."
Temos (felizmente) muitas crianças a quem estas questões nada dizem e que vivem um Natal cheio de magia. Mas temos também as outras (tantas...), para quem o Natal é sinónimo de ausência e de discórdia. Crianças sem figuras parentais que se assumem como uma verdadeira referência afetiva e que passam o Natal com os técnicos da instituição onde vivem. Crianças cujos pais vivem em conflito e que têm o dom de transformar o Natal numa verdadeira guerra nuclear. Crianças que, de forma injustificada, se veem privadas de contactar com um progenitor e com os restantes elementos da sua família.
Importa reconhecer que esta época do ano pode ser particularmente difícil de gerir, por diversos motivos, ajustar as expectativas e antecipar possíveis formas de minimizar este stress, focando-nos naquilo que poderá estar sob o nosso controlo. Importa também pensar nas crianças, para quem a magia do Natal deveria ser eterna e intocável, e em diferentes formas de as proteger. Não nos esqueçamos de que as crianças estão a assistir.
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal