No Brasil discute-se o dilema do fim do mês e o fim do mundo

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A ciência climática, que nos alerta desde o final da década de 80 do século passado, já não deixa margem para dúvidas. Para evitar um aquecimento global catastrófico, o mundo terá de reduzir as emissões quase para metade até 2030. Cada ano de atraso torna o desafio mais difícil e os danos mais profundos. O relógio da física não espera pelos tempos vagarosos da política.

A política, porém, vive noutro fuso horário. Governos e democracias equilibram promessas de longo prazo com urgências de cada dia. As decisões que deveriam transformar economias fósseis em sociedades sustentáveis chocam com desigualdades antigas, empregos vulneráveis e pressões sobre o custo de vida. É neste cruzamento que se decide o futuro: o dilema entre o fim do mês e o fim do mundo.

Para muitos cidadãos, a transição climática é vista como um risco imediato ao emprego, ao preço da energia ou ao orçamento familiar. Quando a política pede sacrifícios hoje para benefícios globais no futuro, exige-se uma pedagogia cuidada e uma noção de justiça social que nem sempre existe. Sem uma transição justa e devidamente financiada, a mudança corre o risco de aprofundar desigualdades que já fragilizam a confiança nas instituições.

Este terreno fértil é rapidamente ocupado por discursos populistas que prometem soluções fáceis: negar a ciência, travar a transição, revogar metas ambientais. São respostas politicamente rentáveis, mas tecnicamente inúteis. Ao adiar decisões inevitáveis, empurram custos ainda maiores para o futuro e tornam o impacto climático mais violento para quem menos pode defender-se.

É neste contexto que se realiza a COP30 em Belém do Pará. Poucos lugares simbolizam tão bem a urgência climática como a Amazónia, um dos últimos grandes estabilizadores do clima global. A escolha do Brasil poderia traduzir uma aproximação entre ciência e política. No entanto, os sinais continuam insuficientes. Várias metas estão a ser flexibilizadas, os compromissos permanecem aquém do necessário e a eliminação dos combustíveis fósseis avança a um ritmo muito distante daquilo que o aquecimento global exige.

A ciência é clara no diagnóstico e nas consequências. Mostra um mundo onde fenómenos extremos se tornam mais frequentes, onde secas e cheias destroem colheitas, onde comunidades inteiras são forçadas a deslocarem-se e onde tensões geopolíticas se agravam. Nada disto é um futuro distante. É um presente em expansão que atinge primeiro os mais vulneráveis, mas acabará por chegar a todas as pessoas em todos os países.

O desafio climático não é apenas tecnológico ou económico. É moral e político. Exige visão para pensar para lá de um ciclo eleitoral, coragem para enfrentar interesses instalados e equidade para garantir que a transição protege também quem vive no limite do fim do mês. Não há contradição entre cuidar do presente e proteger o futuro. Há, sim, um preço elevado em não fazer nenhum dos dois.

As lideranças que hoje hesitam por cálculo eleitoral serão inevitavelmente lembradas pelo que não fizeram. Têm diante de si todas as provas científicas e, mesmo assim, escolhem adiar o inevitável. Em Belém, a política tem mais uma oportunidade para demonstrar que ainda é capaz de liderar em nome do bem comum. A ciência já disse ao mundo o que está em causa. O tempo que resta não é técnico. É político. E a história raramente é generosa com quem abdica da responsabilidade coletiva por conveniência imediata.

Professor Convidado UCP/UNL/UÉ

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