As eleições antecipadas de 2022 serão muito diferentes ‒ em consequência e instabilidade ‒ das legislativas de 2019. Em primeiro lugar, sejam eles quem forem, os líderes dos dois maiores partidos pedirão, ao contrário do que sucedeu na sua última ida a votos, uma maioria absoluta ao país. Seja pelo impasse parlamentar que vitimou a "geringonça", seja pelo receio de pântano político no pós-eleições, o secretário-geral do PS e o eventual líder do PSD farão tudo para apelar ao voto útil nos seus partidos. Costa, por enfado e incompatibilidade com a esquerda e pelas declarações que o comprometem a jamais precisar do PSD. Rio, por necessidade de um resultado sólido após três derrotas nacionais e para depender o menos possível do Chega no parlamento. Rangel, por acreditar genuinamente que pode ganhar as eleições e ser primeiro-ministro..É essa, fundamentalmente, a segunda e principal diferença das legislativas que aí vêm face às últimas que o país viveu: o ciclo de poder, desta vez, pode realmente virar. Tanto na governação, onde o PS corre riscos de sofrer surpresa idêntica à de Lisboa, não sendo o mais votado, como nas lideranças partidárias, onde todos menos Ventura e Cotrim poderão enfrentar contestação interna no day-after..Até para António Costa, vértice central da política portuguesa nos últimos seis anos, não serão exatamente favas contadas. É olhar para os vários cenários. Se ganhar as eleições sem maioria absoluta, tem condições para se sentar novamente à mesa com o Bloco de Esquerda e o PCP? Depois do chumbo deste Orçamento? Talvez. Se Jerónimo de Sousa e Catarina Martins saírem de cena, o volte face seria acautelado por outras personalidades, com mais frescura e menos incoerência. Se a alternativa for um governo de direita com apoio do Chega, nem bloquistas nem comunistas se poderiam dar ao luxo de o deixar passar..Mas se André Ventura crescer menos que o temido, com o PSD e o CDS a beneficiarem de lideranças mais aguerridas, Costa enfrentaria uma situação menos óbvia, mais desconfortável. Por um lado, já não aufere a mesma força para inverter um segundo lugar; por outro, o favorito a suceder-lhe tem relações com os partidos da esquerda de que o primeiro-ministro já não goza. Viria Pedro Nuno Santos e uma "geringonça" novamente unida em ideologia, sintonia e novidade. A esquerda recuperaria fôlego de governação e a direita ganharia ganas de oposição. Haveria, necessariamente, um acordo escrito..Se, por outro lado, BE e PCP forem tão fragilizados por terem deitado o PS abaixo que os seus votos não cheguem para suportar um novo governo à esquerda, há outro cenário, por explorar e analisar, que colocaria problemas aos dois maiores partidos do sistema político: o voto útil concentrar-se de tal modo em PS e PSD que ambos fossem forçados a entender-se. Com a pressão dos fundos europeus, a incerteza da pandemia e Bruxelas e Belém receosas de um país sem estabilidade, socialistas e sociais-democratas podem ver-se na bizarra situação de partilharem a mesma mesa após uma década de intensa polarização em Portugal. Na imprevisibilidade desta ida às urnas, não há impossíveis. Do advento das maiorias pode muito bem sair a procissão do Bloco Central. Não sei se Costa, depois de renegar consecutivamente o PSD, e a direita, depois de seis anos de oposição, teriam condições para lidar com esse quadro. Mas sei que só dois homens sorririam nele: Rui Rio, que cumpriria o seu sonho ao centro, e André Ventura, que lideraria a oposição a esse centro.. Colunista