O trágico acidente ocorrido no Elevador da Glória deixou uma cicatriz profunda em Lisboa e no país. Dezasseis vidas ceifadas e dezenas de feridos constituem uma perda irreparável, que exige não apenas luto e respeito, mas sobretudo respostas firmes e esclarecedoras. Lisboa, enquanto destino turístico de projeção internacional, viu este episódio ganhar repercussão mediática global, dada a envolvência de cidadãos de diversas nacionalidades. No “tabuleiro” da reputação da cidade, esta foi uma “casa negra” – um abalo na confiança depositada na segurança de equipamentos históricos que, além de funcionais, são parte integrante do encanto da capital.As consequências deste sinistro repercutem-se tanto no plano internacional como na vivência quotidiana da cidade. Para os Lisboetas e a comunidade envolvente, é um trauma coletivo, vivido com a proximidade dolorosa da tragédia. E para o restante país, que vê em Lisboa não apenas a capital administrativa, mas também um destino de eleição, afetivo e cultural, é um golpe na perceção de segurança de um território que é de todos e que todos visitam.O Elevador da Glória é, na verdade, muito mais do que um simples funicular que, desde 1885, liga os Restauradores ao Miradouro de São Pedro de Alcântara. Para os lisboetas, é um símbolo íntimo da cidade – um vaivém de quotidianos, de paixões e de memórias. Entre os carris de metal e a calçada de basalto, gerações inteiras subiram para regressar a casa, para iniciar a noite no Bairro Alto ou simplesmente para viver esse intervalo mágico entre a Lisboa “de baixo” e a Lisboa “de cima”. A sua importância transcende a função de transporte: é parte da identidade da capital, um fragmento de história que atravessou séculos e que pertence tanto aos que o utilizam diariamente como aos que nele reconhecem um retrato da alma lisboeta.Esse valor simbólico foi imortalizado pelos Rádio Macau, que converteram o Elevador da Glória numa metáfora de ascensão e reconhecimento na música portuguesa dos anos 80. “Há dois carris de metal, desde a baixa à vida alta”, cantava-se, consolidando-o como emblema cultural e poético da cidade. Não por acaso, permanece como referência no imaginário coletivo: representa a transição do banal para o extraordinário, do quotidiano para o sonho. Por isso, para Lisboa e para o país, o acidente não foi apenas uma tragédia de transportes – foi um desassossego profundo, talvez mesmo um colapso emocional, no coração de quem reconhece naquele funicular um património afetivo, cultural e nacional.No jogo da Glória da vida urbana, todos avançamos com esperança, mas há “casas” que nos obrigam a recuar. Importa, porém, afirmar com clareza: o dado não caiu na casa errada por haver “turistas a mais”, como alguns tentam insinuar. O que se evidencia é um défice de resposta às exigências que o sucesso turístico acarreta. A segurança de equipamentos que são simultaneamente ícones da cidade e parte da experiência de quem a visita e nela habita, é matéria de elevada seriedade. A pressão adicional gerada pelo aumento de passageiros – reflexo da crescente atratividade de Lisboa – exige reforço na manutenção, planos de prevenção mais rigorosos e uma fiscalização regular e eficaz.Neste momento, é imperativo restituir a confiança a residentes e visitantes. O jogo não pode parecer governado pelo acaso. É essencial apurar com rigor as causas do acidente e comunicar, com transparência, as medidas corretivas adotadas. Só conhecendo o que falhou será possível corrigir e prevenir novas tragédias. Tão importante quanto agir é demonstrar que se está a agir: a confiança constrói-se com evidências visíveis de que os ícones históricos da cidade estão sob vigilância e cuidados permanentes.É igualmente crucial resistir à tentação de encontrar culpados fáceis. O turismo corre sempre o risco de se tornar o bode expiatório de todos os males, e essa narrativa começa a desenhar-se, inclusive em parte da imprensa estrangeira. Contudo, o turismo tem sido a “casa” que nos permite avançar várias jogadas de cada vez. A glória recente de Lisboa deve-se, em larga medida, ao dinamismo trazido por esta atividade: criação de milhares de empregos, regeneração urbana, captação de investimento estrangeiro, enriquecimento cultural e reconhecimento internacional. Mas para que a glória perdure, é imperativo jogar com responsabilidade e não com fé na sorte. Urge implementar planos sérios de monitorização, modernizar infraestruturas e investir na formação técnica das equipas.Paralelamente, é essencial reforçar a promoção externa da cidade, reafirmando perante o mundo que Lisboa continua a ser uma cidade extraordinária, acolhedora e segura.A tragédia do Elevador da Glória não pode apagar o brilho desta capital europeia vibrante, onde tradição e modernidade coexistem harmoniosamente. Mas a confiança constrói-se todos os dias. E só com rigor e transparência poderemos garantir que Lisboa não volta a cair na “casa” da tragédia, mas avança, firme e confiante, ao encontro da tão necessária glória – a de uma cidade que se ergue com coragem e se reafirma perante os seus habitantes e perante o mundo. Secretária-Geral da AHRESP