Não podemos cansar-nos da guerra

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Zelensky veio a Portugal e fez um apelo: “Não se deixem cansar pela guerra. Não se cansem de apoiar-nos. Não cedam à narrativa russa, não caiam na desinformação que eles vos fazem.”

O risco nunca terá sido tão grande - mas a boa notícia é que, dois anos e três meses depois da invasão russa de larga escala à Ucrânia, grande parte dos cidadãos das sociedades livres e democráticas do Ocidente continua a perceber o que está verdadeiramente em causa. Mesmo que alguns se deixem confundir pelo nevoeiro da guerra híbrida.

O acordo bilateral de cooperação e segurança celebrado entre Portugal e Ucrânia é válido por uma década. Dez anos, nas relações internacionais, é mesmo muito tempo. Mas Zelensky fez ressalva decisiva: “Isso não significa que a guerra vai continuar por dez anos.” A década aponta para horizonte longo e durável na relação de Portugal com uma Ucrânia que, por 2034, seja já plenamente europeia, democrática e livre da agressão de Moscovo.

Zelensky corporizou, a 24 de fevereiro de 2022 um destino singular: o de ser o líder de um país invadido por uma grande potência militar. Podia ter fugido, não o fez; ter resistido foi fundamental para a resiliência ucraniana nestes dois anos e três meses. As viagens são fundamentais para concretizar essa resistência num plano internacional, mostrando que apoiar a Ucrânia é uma obrigação das democracias, na defesa do sistema internacional.

A visita do presidente da Ucrânia a Portugal foi muito rápida - cinco horas e meia - mas teve balanço muito positivo. Saiu reforçada a ideia de que Kiev compreende perfeitamente o lugar de Portugal no apoio à Ucrânia: dimensão financeira e militar limitada, mas devidamente direcionada; mais-valias na ajuda à formação de pilotos e mecânicos para os F-16 e, sobretudo, aposta no soft power português de fazer pontes diplomáticas com o Sul Global (PALOP e não só).

Zelensky conta com a ajuda lusa nos complicados dossiês de adesão à UE - o processo ucraniano de entrada em Bruxelas arranca já em junho, ainda que vá ser longo e complicado - e mesmo à NATO. A entrada da Ucrânia na UE deverá acontecer até ao final da década e será acompanhada de outros países da Parceria Oriental da UE. Será uma nova Europa, a 35 ou 37. Exigirá reforma institucional, mas é aposta decisiva para o futuro da Europa. Sem uma Ucrânia livre e democrática, e com uma Rússia imperial agressiva, o projeto europeu ruirá.

Os 126 milhões de euros previstos no acordo bilateral têm de ser olhados em contexto. Portugal tem uma economia seis vezes mais pequena que Espanha, o acordo português é dez vezes mais pequeno que o espanhol; temos uma economia que é metade da belga, o acordo português é oito vezes mais pequeno que o belga. Mas também tem a ver com a falta de capacidade militar. O nosso destino continua a ser o soft power e as relações.

Os 12 acordos bilaterais já assinados - Reino Unido, Alemanha, França, Dinamarca, Canadá, Itália, Países Baixos, Finlândia, Letónia, Espanha, Bélgica e Portugal - são muito diferentes na dimensão financeira e no material disponibilizado - mas todos são importantes, porque consolidam as relações bilaterais desses países com a Ucrânia, dentro do que cada um pode dar e respetiva realidade. Devem ser vistos como um complemento com as grandes decisões saídas de NATO, G7 e UE e pela projeção temporal que implicam.

Todas as fichas na Cimeira da Paz em junho

E há também a Cimeira da Paz, principal iniciativa diplomática da Ucrânia desde que foi invadida pelo urso russo. Mais de 70 chefes de Estado e de Governo confirmaram presença no evento, que decorrerá entre 15 e 16 de junho, em Burgenstock, na Suíça.

Os principais líderes latino-americanos deverão estar presentes, mas com uma exceção de peso: o Brasil.

Zelensky reforçou essa ideia nas visitas a Espanha, Bélgica e Portugal: a Cimeira da Paz de junho na Suíça será um momento definidor. Quem se juntar está a endossar a sua fórmula da paz; quem rejeitar está, por omissão, a permitir a agressão russa do Direito Internacional. O presidente ucraniano conta com Portugal para obter o máximo de “sins” possíveis de países africanos, não desistiu da China e vê a presença de Biden como obrigatória.

O presidente norte-americano estará nos dias anteriores em Itália, na Cimeira do G7, o que aumenta a expectativa sobre uma possível adesão de Biden a uma iniciativa importante para a agenda de Zelensky. Por enquanto, os EUA só confirmaram a presença por via de uma delegação de “nível intermédio” de responsabilidade.

Zelensky teve recentemente uma longa conversa com Orbán e convidou-o a estar na Suíça, para a cimeira de junho. “A posição da Hungria é importante para nós em termos de aproximar a paz e a nossa segurança regional comum”, realçou Zelensky.

Urge avançar no reforço diplomático e militar à Ucrânia: a Rússia prepara-se para enviar até 300 mil soldados para a fronteira norte da Ucrânia. O aviso foi feito pelo ministro da Defesa ucraniano, Rustem Umerov.

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