Não, não nos resta apenas chorar

O Papa Francisco acaba de realizar uma digressão por vários países africanos, a maioria dos quais, se não todos, assolados com crises e guerras que constituem a principal razão para o estado lamentável em que se encontram. Na República Democrática do Congo (RDC), um dos maiores países católicos do continente, disse ele, depois de ter escutado os relatos de algumas das vítimas do conflito que grassa no leste do país: "Só nos resta chorar, sem quaisquer palavras, permanecendo, pois, em silêncio".

Os relatos, de facto, foram impressionantes. Um jovem contou como viu, do lugar onde se tinha escondido, durante um combate, a cabeça do seu pai ser decepada e colocada numa marmita; depois, os soldados levaram a mãe dele, como cativa. Uma mulher relatou que ela e outras foram usadas como escravas sexuais durante três meses, sendo violadas diariamente por cinco a dez homens; além disso, eram obrigadas a comer a carne dos homens mortos durante a guerra. Um homem disse ter visto autênticos atos de selvajaria, como degolar ou decepar as mãos e os braços dos prisioneiros (alguns dos sobreviventes estavam no encontro com Francisco, exibindo os membros mutilados).

Compreendo a emoção do Papa. Mas, obviamente, chorar e, sobretudo, permanecer em silêncio não me parece a atitude mais justa e apropriada para enfrentar esta autêntica tragédia. Como escrevo este texto para um jornal europeu, não posso deixar de assinalar a hipocrisia da imprensa ocidental, que, do alto do seu posicionamento no quadro das relações geopolíticas contemporâneas, ignora completamente esses acontecimentos, em especial depois que o complexo EUA-NATO, com a complacência da União Europeia, provocou a criação de uma nova guerra tribal na Europa. Entretanto, manda a honestidade intelectual e política observar igualmente que o silêncio da imprensa africana é ainda mais chocante.

Na realidade, todos têm responsabilidades nesta e outras histórias similares que perduram no continente africano. Assim, se é verdade que, mais de sessenta anos depois das primeiras independências na África subsariana (sem ignorar o caso excecional da Libéria, independente desde 1847), a situação geral confirma o chavão de que "África começou mal", as responsabilidades por tal situação devem ser partilhadas tanto pelos africanos como pelos europeus e ocidentais em geral. Isso é facto, não é opinião.

Assim, no plano africano, reconheça-se que desde as políticas internas que não contribuem para a construção de nações sólidas (não nos esqueçamos que, em África, os estados precedem a nação, no sentido moderno) até estratégias de desenvolvimento equivocadas, baseadas no mero extrativismo, ao mesmo tempo que são criadas burguesias em geral improdutivas, rentistas e dependentes do import-export, culminando com a inexistência ou a fragilidade de autênticas democracias republicanas, que funcionem de facto - o quadro, além de gerador de um subdesenvolvimento que parece crónico, bem como da insatisfação da sua juventude e da fuga de quadros e outros recursos humanos, é propício à eclosão, criação e persistência de conflitos militares infindáveis.

Quanto às responsabilidades exteriores para o quadro vivido presentemente no continente africano, um conceito resume-as: neocolonialismo. O discurso alimentado por algumas instâncias ocidentais (líderes políticos, escolas de economia, think tanks, mídias e outras), segundo o qual o neocolonialismo é uma desculpa dos africanos para esconderem as suas próprias responsabilidades é a principal prova de que o mesmo existe. Basta analisar alguns factos, como políticas de cooperação, termos de troca, políticas migratórias, ingerências militares em alguns países, ambiguidades político-diplomáticas (ou melhor, políticas de dois pesos e duas medidas), cooperação com lideranças africanas corruptas e tantos outros, para o confirmar.

Na sua coluna de ontem, 6 de fevereiro, no jornal Le Monde, o editorialista Philippe Bérnard confirmou a minha hipótese. Escreveu ele, a propósito da saída das tropas francesas do Mali e do Burkina Faso: "A França tem de aceitar as suas próprias responsabilidades no falhanço das independências africanas e ver estes factos [a retirada das suas tropas daqueles dois países] como a nova fase da descolonização".

Escritor e jornalista angolano
Diretor da revista África 21

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