“Não há gatos na América”

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Acho que a atual geração de políticos portugueses no poder se divide entre os que viram, na juventude, An American Tail / Fievel - Um Conto Americano e o perceberam, e os que estavam com a cabeça demasiado enfiada no cinema francês ou sueco das salas do Quarteto, ou nas reposições dos clássicos do cinema italiano na Cinemateca e não o entenderam. Eu também por lá andei… e, depois, pelo King... mas tenho gostos, felizmente, (muito) ecléticos.

Esta pequena obra-prima esquecida de Don Bluth, de 1986 e com produção executiva de Steven Spielberg, é à primeira vista apenas mais um filme de animação musical para o Natal, a competir com a Disney. Só que não. O argumento de Judy Freudberg e Tony Geiss, a partir de uma história também assinada por David Kirschner, resume numa giríssima fábula todos os valores ocidentais a que se costuma chamar o American Dream.

A história passa-se na Rússia imperial, no final do séc. XIX - mas podia ser após a Revolução Bolchevique, os pobres e oprimidos eram mais ou menos os mesmos: a família Mousekewitz - os ratos dos humanos judeus Moskowitz - é perseguida pelos batalhões de felinos dos cossacos que atacam em grupo, nas ondas de antissemitismo (eterno) do Velho Continente. Fartos, os Mousekewitz decidem emigrar para o Novo Mundo porque, garante o patriarca: “Não há gatos na América.” Mas, lá chegados, vêm a descobrir a realidade - claro que há gatos na América, e estes são (quase) tão maus quanto os do velho mundo. Estão é organizados de forma diferente: não têm uniforme, querem dinheiro.

E há uma coisa na América inexistente deste lado do Atlântico no séc. XIX (e mesmo hoje…): a total liberdade… de inovação, de associação, de discussão e de valorização do mérito. E assim (e com investimento de capital) os mais fracos conquistam os mais fortes.

Um Conto Americano é daqueles filmes infantis que já não se fazem, pois não trata os miúdos como mentecaptos. Os mais pequeninos irão achar graça à parte “fácil” da história, mas quanto mais velhos forem, irão apreendendo, camada após camada da história, o que são os valores comuns das democracias liberais.

Pena é que muitos jovens portugueses do meu tempo que foram para a política não tenham percebido nada disto. Estou mesmo a vê-los, dizendo “Propaganda ianque!”, cuspindo para o chão e indo a correr participar numa qualquer ação anti-NATO.

O filme está disponível gratuitamente no Archive.org (junto com o segundo da série) em archive.org/details/fievel-goes-west/. Trata-se da versão original (naturalmente), com os talentos vocais de Dom DeLuise e Christopher Plummer, entre outros. Excelente para esta Consoada - desde que o seu inglês seja só um pouquinho melhor do que o demonstrado, na semana passada, por quem hoje nos governa e por quem até há pouco nos governou. Mas acredito piamente que o caro leitor não será capaz de cometer aqueles crimes contra a Humanidade!


Editor do Diário de Notícias

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