Não tenho as mesmas certezas sobre o fracasso do resultado de Rui Rio nem tão-pouco sobre o sucesso da maioria absoluta de António Costa..Numa primeira impressão, manifestamente, o PS arrasou. Engoliu a esquerda, o centro e conquistou uma maioria absoluta após seis anos de governação e dois de pandemia. Politicamente, é um feito impressionante. Rio, também à primeira vista, fracassou em toda a linha. Ficou abaixo dos 30%, como em todas as sondagens ao longo da sua liderança, e ficou atrás do PS, como em todas eleições ao longo dessa liderança. Os novos partidos à sua direita - a IL e o Chega - cresceram para cima de 300 mil votos e o Partido Socialista será rei e senhor da governação nos próximos quatro anos..Mas serão os respetivos desastres, do PSD, e triunfos, do PS, assim tão definitivos?.Arrisquemos outra perspetiva..Rio elegeu menos deputados do que em 2019, mas conquistou mais votos. O perigo de regionalização do PSD avistado há dois anos não se confirmou, conseguindo eleger em círculos tão improváveis como Évora, onde o PCP perdeu o seu líder parlamentar, fruto do trabalho autárquico de setembro passado. Rio, que passou propositadamente despercebido nos debates e inusitadamente errático na campanha, manteve o PSD nos seus 27% base - independentemente da explosão de liberais e populistas e apesar da absolutização do PS. É uma derrota, não é uma hecatombe..E o Partido Socialista? Pela primeira vez desde o patriótico governo do Bloco Central (1983-85), está prestes a governar num cenário de crise económica - tarefa habitualmente reservada ao centro-direita - não contando com os álibis de uma intervenção externa ou com a descentralização de responsabilidades de um executivo coligado (como o de Soares e Mota Pinto). O PS, desta feita, governará em crise e em maioria absoluta, sem desculpas para fugir a lidar com esta. Nem chumbos de Orçamento, nem birras parlamentares, nem atos eleitorais se avizinham no calendário. Após a noite de domingo, o país ficou amarrado a Costa. E Costa amarrado à maioria absoluta..Ao PSD resta, portanto, esperar. Rever o seu posicionamento, evitar a dança de lideranças (Mendes, Menezes, Manuela) que viveu durante o socratismo e manter a cabeça fria. Os primeiros dois anos da legislatura agora inaugurada serão de cooperação e adaptação. Costa tem uma promessa de maioria dialogante para cumprir e sentirá pressão de Belém para se sentar à mesa com o segundo maior partido. Reformas estruturais, revisões constitucionais e alterações à lei eleitoral exigirão essa convergência. Cabe ao PSD ter protagonistas que a saibam aproveitar, valorizando-se aos olhos do país..Num cenário idílico, a próxima liderança da oposição será capaz desse equilíbrio entre arrojo e institucionalismo, da capacidade de se fazer valer entre a energia das bancadas à sua direita e de não se acantonar perante a supremacia do PS. Não será uma combinação óbvia nem exatamente um tempo fácil, mas o espaço estará lá. Rio, depois de quatro anos de deserto ideológico e fracasso eleitoral, garantiu uma coisa: uma enorme liberdade de rumo para quem lhe suceder. Pior, com certeza, não será. E acontecendo como aqui conto, nada do que se passou neste domingo é tão evidente como tomam..Colunista