Não atirem pedras ao Ministério Público

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Sabem que houve um golpe de Estado em Portugal para a remoção de um primeiro-ministro por meios não violentos?

Oh caros leitores! Então vocês andam distraídos? Sim, houve, perpetrado pelo Ministério Público (MP) e pela Procuradoria- Geral da República (PGR). Não, não meteu chaimites, nem G3. Foi um simples parágrafo no final do já célebre comunicado da PGR sobre a operação Influencer que levou à demissão de António Costa, por única e exclusiva decisão política dele próprio e que lhe deu acesso à Presidência do Conselho Europeu. Esta acusação da existência de um golpe de Estado tem a assinatura de um senhor, ex-ministro da Cultura, de seu nome Pedro Adão e Silva, nos últimos anos conhecido doutrinador do ideário socialista que, recentemente, ganhou espaço de comentário na última página do jornal Público. Esta acusação de Pedro Adão e Silva foi o patamar máximo do disparate que tem sido, abundantemente, produzido a propósito da actuação do MP.

Os ataques ao Ministério Público têm surgido de vários quadrantes políticos, de personalidades, algumas com responsabilidades governativas que, durante anos, nada fizeram para resolver os problemas da Justiça. E, Pedro Adão e Silva, esteve num desses governos.

A Justiça tem inúmeros problemas que há anos sucessivos governos não solucionaram.

Faltam meios. Faltam juízes e oficiais de Justiça. Falta autoridade aos juízes para imporem aos oficiais de justiça tempos de organização de processos. Falta desmaterializar os processos, plasmados em resmas de papel que se tornam de difícil e cansativa leitura para os juízes e outros operadores da Justiça. Falta encontrar uma nova gestão jurídica para os recursos apresentados em tribunal pelos advogados de defesa que, por vezes, outra finalidade não tem do que atrasar os processos judiciais. Falta dotar a máquina da Justiça de meios informáticos actualizados e de primeira linha tecnológica que agilizem a construção e a gestão dos processos judiciais.

Falta baixar o valor das custas judiciais, para que não exista uma Justiça para pobres e outra para ricos, estes últimos com possibilidade de prolongarem, ad eternum, os processos judiciais, por terem capacidade financeira para o fazerem.

Falta, em resumo, acelerar os tempos da Justiça para que os processos não se arrastem ao longo dos anos.

Mas, sobre estes problemas, não ouvimos a voz dos que hoje lamentam a divulgação de escutas pelo MP. Claro que a divulgação de escutas não é correcto. Ninguém deve ser julgado na praça pública nas páginas de um qualquer tabloide. Mas o que tem sido feito até agora para obviar a que isso se verifique? Os governos não têm capacidade legislativa? Por que razão os deputados no Parlamento não constroem, atempadamente, legislação que nesta temática aperte as malhas da actuação do MP para que este tenha uma correcta política de comunicação com o público, em vez de uma divulgação secreta e escondida de escutas telefónicas. Porque que razão o poder político, governos e parlamento, ao longo dos anos, não têm ido além do principio “à política o que é da política, à Justiça o que é da Justiça”, essa máxima manhosa inventada por Costa para se livrar dos problemas judiciais de José Sócrates?

Agora há um enorme alarido sobre as escutas e sobre a actuação do MP. Pois bem, com os problemas de corrupção que existem em Portugal, com o tráfico de influências enquanto prática comum de alguma classe política e empresarial, demos graças aos deuses que exista um MP, independente do poder político, com capacidade de actuação, com personalidade própria. Ainda que seja um MP com defeitos e que cometa erros, como acontece com quase tudo em Portugal. Se o período em que um cidadão escutado è longo, estabeleçam novas regras para que isso não se verifique. João Galamba foi escutado durante quatro anos. Mas foi-o em diversos processos e com validações temporárias de juízes. Os partidos políticos que têm estado no poder que façam o trabalho que lhes compete, sem interferirem na independência de actuação do MP. Legislem, mantendo a autonomia do MP. Ponto final!

Claro que todo este alarido à volta do MP e da PGR não passa de um exercício de cinismo e hipocrisia política na defesa de interesses privados e ambições pessoais. Os que atacam o MP e o dizem fazer em nome da democracia, pois que em nome dessa mesma democracia façam o trabalho de reorganização da Justiça que há muito deveria estar feito. E, já agora, em nome dessa mesma democracia, parem de atirar pedras ao MP.

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