Nacionalidade Portuguesa – cenas dos próximos capítulos

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A Lei da Nacionalidade está a ser revista. Isso não é nada de novo. Desde 2006 que mal passa um ano sem que se acrescente, altere, ou apaguem requisitos nesta Lei. É um verdadeiro ping-pong, que vai contra aquilo que deveria ser uma Lei da Nacionalidade – um regime estável que define quem constitui a comunidade nacional – , para passar a ser uma espécie de Lei de Imigração II. Corrigem-se más políticas de imigração com a abertura ou o fechamento no acesso à nacionalidade. Se por um lado isto é natural, por outro a imigração e a nacionalidade são coisas diferentes, e a última exige reflexões profundas sobre o que é ser Português - o que não muda, propriamente, de seis em seis meses.  

A revisão em curso é uma daquelas que visa responder aos efeitos de más leis de imigração do passado. A proposta inicial do Governo levantava pelo menos duas dúvidas de constitucionalidade. Em primeiro lugar, pretendia aplicar as novas regras aos pedidos que já tinham sido feitos em 19 de junho. No meu entender – bem como no de vários constitucionalistas consultados pelo Parlamento-, tal solução colocava problemas face à proteção das legítimas expectativas dos cidadãos interessados. Pensemos em aqueles que já cumpriam as condições para serem naturalizados e subitamente, no dia 19 de junho ficariam privados de aceder a tal direito, sem aviso prévio. Ora, uma coisa é alterar a lei, outra é aplicar as novas opções para o passado, deixando desprotegidos aqueles que confiaram na lei em vigor. Assim, em boa hora decidiu o Governo deixar cair esta solução.  

Em segundo lugar, prevê-se a perda da nacionalidade para quem a tenha adquirido por naturalização, se, nos dez anos seguintes a tal aquisição, vier a praticar um crime (de um dos previstos numa lista fixada) punido com cinco anos de prisão ou mais. Apesar de tal perda consistir numa pena aplicada por juiz, não deixa de levantar dúvidas de constitucionalidade – desde logo, relativas à proporcionalidade das penas. É que a Convenção Europeia da Nacionalidade, de que Portugal faz parte, apenas permite tais perdas quando se põem em causa “interesses vitais do Estado”, o que remete apenas para crimes que se traduzam na quebra de laços de lealdade com Portugal, como traição, espionagem, etc. Por outro lado, criam-se (ao arrepio de 45 anos de tradição de plena igualdade), duas categorias diferentes de cidadãos: os nacionais de origem e os naturalizados, que parecem “menos nacionais”, e que apenas o serão definitivamente “sob condição de se portarem bem durante dez anos”.  

Face às dúvidas levantadas por mais de metade dos pareceres sujeitos ao Parlamento sobre esta matéria, o Governo optou, de forma que nos parece acertada, em promover as alterações à Lei em dois diplomas distintos: o primeiro sobre aquisição da nacionalidade, e o segundo, sobre a perda. No que toca ao primeiro, o Governo tem mais margem de manobra. Podemos não concordar com as ampliações dos prazos de naturalização, mas elas não levantam dúvidas de constitucionalidade. Outra solução aí avançada, e que não me parece inconstitucional, é a da previsão de regimes mais favoráveis para os cidadãos de língua portuguesa e para os cidadãos europeus, pois a própria CRP permite esta discriminação positiva.  

Já no que toca à perda da nacionalidade, ela avançará em diploma à parte – o qual poderá ser sujeito a um pedido de fiscalização ao Tribunal Constitucional. Em caso de dúvida, deverá ser sempre esse o caminho a seguir.  

Por fim, para o futuro, não podemos esquecer que a Lei da Nacionalidade não é uma Lei como as outras. Ela precisa de estabilidade, e reclama um entendimento o mais alargado possível sobre o que deve ser o povo português.  

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Investigadora do Lisbon Public Law

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