Na senda da medida perdida

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As duas maiores filosofias do mundo antigo, a grega e a chinesa, no seu expoente, chegaram, quase em simultâneo, essencialmente à mesma conclusão: a primeira, através da formulação da "melhor medida" e a segunda através do provérbio da "virtude da média de ouro". O meio-termo ou média de ouro não é a mediocridade, mas o ponto equidistante de dois extremos, ou seja, a moderação. Aristóteles ilustra tal atitude com uma medida entre dois abismos - a intemperança e a insensibilidade, entre a gula e a anorexia. Não se trata de abrir mão dos prazeres, mas de ser seu senhor, não escravo. A maior satisfação é dada pela qualidade, não pela quantidade. Hoje, na parte rica do mundo, as pessoas morrem geralmente em razão da intemperança, não da fome ou da escassez. É uma época miserável, em que os médicos são colocados acima dos poetas, escreveu Comte-Sponville. A moderação; encontrar a medida certa, o meio-termo de ouro é uma virtude intelectual, portanto, a virtude da humanidade. Ponderemos, então, se a moderação será hoje facilmente perceptível e inteligível? A resposta surge clara, mas a questão permanece: por que tal não acontece?

O facto é que vivemos assoberbados com imagens de violência; de documentários a longas-metragens, de jornais a best-sellers contemporâneos, todos competem para ostentar o máximo de crueldade possível, desde que a seu favor (político)! Assim, apesar da Resolução da ONU nº 96, de 2 de Dezembro de 1946, tudo é declarado genocídio, por conseguinte, no nevoeiro da (geo)política perde-se a imagem clara, isto é, a gravidade do crime mais cruel. Mesmo os resultados científicos dos especialistas mais eminentes do mundo são simplesmente ignorados, a fim de dar aos ferreiros da falsa história a oportunidade de substituir a verdade pela mentira. O mais proeminente dos juízes romanos, Lucius Cassius, faria a pergunta: Quem beneficia?

Adicionalmente, como "efeito colateral", surge o que de facto não o é e que Cícero formulou de forma admirável, há mais de 2.000 anos: "A morte cruel de tantas pessoas não constitui um único malefício em si mesmo. Sufoca o sentimento de misericórdia nos mais nobres, criando neles uma rotina de contínuos infortúnios. Porque se vemos ou ouvimos algo cruel a cada instante, mesmo que de natureza mais branda, devido à constante repetição de acontecimentos penosos, o sentimento de humanidade vai-se esvaindo da nossa alma".

Hesíodo, há cerca de 700 anos a.C., vivendo tempos de crise (principalmente no que se refere à moral), o qual detém semelhanças com a actualidade, na sua obra "Os Trabalhos e os Dias", primeiro poema ético-pedagógico da história, adverte: "A justiça será substituída pelo punho. As cidades cairão sob a pilhagem. E nem quem cumpre o juramento, nem o justo, nem o bom vencerá. Em breve o temerário e o vilão serão homenageados. Onde houver poder, haverá lei."
Há meio século, o Nobel sérvio Ivo Andrić notou algo que é hoje óbvio para todos: "Chegará o tempo em que o inteligente se calará, o tolo falará e o canalha ficará rico"!

A civilização moderna caiu num amplo paradoxo sociológico - o vertiginoso progresso técnico global é acompanhado por um crescente declínio da moralidade e da justiça, com um abuso cada vez maior da lei.

Um dos maiores sábios da história da civilização, o criador do "meio-termo de ouro", Confúcio, deu, há mais de 2500 anos, uma instrução que parece fazer ainda mais sentido no mundo moderno, pois hoje os meios de difusão do populismo (demagogia) são, sem dúvida, incomparavelmente mais poderosos e mais eficientes que na sua época. Quando questionado pelos seus alunos sobre o que faria se chegasse ao poder, o sábio respondeu: "Eu começaria por restabelecer o uso correcto da palavra" (terminologia). "Se a linguagem não estiver correcta, tudo o que falamos perde a forma... logo os direitos legais não serão exercidos". Provavelmente, essa é uma pré-condição importante para a civilização moderna retornar ao caminho da moralidade, do direito e da justiça, justificando, assim, o seu nome, e isso significa determinar a responsabilidade (legal) por uma declaração feita publicamente.

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