"Modernização militar e tecnológica na Defesa. Mas com que recursos humanos?"

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Portugal aposta na modernização militar e tecnológica como motor de desenvolvimento económico. Mas, perante o envelhecimento e a falta de efetivos nas Forças Armadas, o país enfrenta um paradoxo: como se garantirá o futuro da defesa nacional?

A defesa como motor económico

A Academia da Marinha acolheu no dia 21 de outubro um ciclo de conferências sobre Economia do Mar, este ano subordinado ao tema: As industrias de Defesa na economia do mar.

O ciclo, moderado pela Diretora-adjunta do jornal Diário de Notícias, Valentina Marcelino, reuniu com os representantes da industria e da administração pública: o CEO da Thales Edisoft Portugal, Engenheiro Sérgio Barbedo, o Presidente do Conselho de Administração da AED Cluster de Portugal, Engenheiro José Salvado Neves, o Presidente do Conselho de Administração do Arsenal do Alfeite S.A , Engenheiro Bernardo Soares, e o Presidente da IdD - Portugal Defense, Dr. Ricardo Pinheiro Alves.

Em debate estiveram as oportunidades e os riscos de um setor que se afirma como pilar estratégico da economia nacional, gerador de inovação, exportações e emprego qualificado.

Nas últimas duas décadas, Portugal tem vivido uma transformação profunda na sua indústria de defesa. A ligação entre o Estado, as Forças Armadas, as universidades e o setor privado formou um eixo de cooperação que procura modernizar as capacidades militares e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial. Apesar dos constrangimentos orçamentais e das crises económicas, o país reconstruiu um tecido industrial virado para a exportação e consolidou uma nova visão: a defesa como investimento estratégico, e não mera despesa pública.

Planeamento a três níveis

Entre as ideias centrais do encontro destacou-se a necessidade de um planeamento conjunto entre o Estado, a indústria e as Forças Armadas. Este modelo “TRIPLE HELIX” é visto como essencial para garantir que os programas de defesa se traduzam em valor económico tangível. Durante anos, Portugal avançou com aquisições sem uma estratégia integrada — sem prever o ciclo de vida dos equipamentos, a manutenção ou a reintegração de valor industrial.

Hoje, a defesa é pensada como parte de uma economia circular, onde cada aquisição potencia a produção nacional. Como sublinhou um dos oradores, “para comprar fora do país é preciso vender algo de volta — seja conhecimento, tecnologia ou produtos”.

Uma nova geração industrial

Em apenas vinte anos, o país passou de uma indústria residual para um setor de defesa diversificado e competitivo. Empresas portuguesas de engenharia e tecnologia desenvolveram competências de excelência em comunicações, vigilância marítima, ciberdefesa e integração de sistemas complexos.

Programas europeus como o Fundo Europeu de Defesa e políticas nacionais de contrapartidas industriais têm sustentado este crescimento. A presença de gigantes como Thales, Airbus e Embraer reforçou o ecossistema nacional, criando centros de engenharia e exportação tecnológica em território português.

Confiança e transparência

Apesar do dinamismo crescente, a contratação pública continua a ser um dos pontos críticos. Faltam mecanismos de penalização e de responsabilização efetiva, o que mina a confiança no sistema.

Especialistas defendem que transparência, rigor e continuidade são condições essenciais para garantir que os investimentos públicos em defesa resultem em benefícios reais para a economia e para o país.

Hoje, contudo, a relação entre a indústria e as Forças Armadas é mais próxima do que nunca, com diálogo contínuo e cooperação técnica. É um sinal de maturidade institucional e de que Portugal começa a consolidar uma verdadeira comunidade de defesa.

Capital humano e inovação

A escassez de recursos humanos qualificados é um dos grandes desafios do setor. A falta de engenheiros, técnicos e peritos em cibersegurança ameaça travar o ritmo da modernização.

Iniciativas como o programa Vocationmakers e as parcerias com a Ciência Viva aproximam a indústria das universidades e despertam vocações científicas, mostrando que a defesa também é um motor de conhecimento, talento e inovação social.

Economia de defesa integrada

A cooperação entre os Ministérios da Defesa e da Economia foi outro ponto de destaque. O exemplo dos Países Baixos mostra que decisões de defesa só são aprovadas após avaliação dos seus impactos económicos. Com o investimento nacional a aproximar-se dos 5% do PIB, Portugal enfrenta a oportunidade de consolidar uma economia de defesa integrada — sustentável, geradora de inovação e promotora de emprego qualificado.

Responsabilidade social e impacto local

O investimento em defesa pode ter também impacto social e educativo. A Thales e outras empresas internacionais promovem programas de literacia científica, visitas escolares e estágios, aproximando os jovens das engenharias e tecnologias emergentes. Mas o contributo mais relevante continua a ser o emprego qualificado e a fixação de talento. Cada posto de trabalho criado é um investimento direto no futuro tecnológico e económico do país.

Reflexão final

Portugal prepara-se para investir como nunca na defesa, mas as suas Forças Armadas envelhecem e perdem atratividade. A média de idade dos militares ultrapassa o que chamamos de idade jovem, e o recrutamento tem dificuldade em acompanhar o ritmo da modernização tecnológica. Enquanto se adquirem novos equipamentos e sistemas, o capital humano que os deve operar e sustentar está a diminuir.

Este paradoxo levanta uma reflexão inevitável: como se garantirá o futuro da defesa nacional? Mais do que um dilema orçamental, trata-se de um desafio nacional. O futuro da defesa portuguesa também dependerá da capacidade de renovar o compromisso entre a Nação e os seus militares — aqueles que, com competência e dedicação, asseguram a soberania e a segurança do país.

Diário de Notícias
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