Numa Era em que África se afirma no G20 e o Atlântico Sul ganha centralidade geopolítica, Moçambique surge como laboratório decisivo da transição energética. A recente Cimeira entre a União Europeia e a União Africana, realizada em Luanda, reforçou o compromisso dos dois blocos numa parceria renovada para enfrentar desafios globais como o desenvolvimento sustentável, a paz, a segurança e a transição energética. A visita do Presidente Lula ao continente sublinhou ainda mais a importância crescente desta região no cenário económico e geopolítico mundial. É neste contexto de transformações profundas que Moçambique se destaca, enfrentando dilemas que merecem atenção particular.Foi neste preciso momento que me desloquei ao país, onde observei de perto as dinâmicas de uma economia que combina um ciclo promissor, impulsionado pelos grandes projetos de gás natural, com um momento político de mudança clara. Entre a bonança do gás e o estrangulamento da dívida, entre a promessa de crescimento e o risco de enclave, Moçambique joga o seu futuro. O país enfrenta desafios estruturais sérios: uma dívida pública de curto prazo que estrangula o circuito produtivo, dificuldades de tesouraria que penalizam o investimento e o emprego, e uma fragilidade financeira que ameaça transformar a riqueza energética em frustração social. Sem soluções robustas, mesmo os maiores projetos correm o risco de ficar aquém do seu potencial transformador.Os investimentos em gás natural liquefeito no Norte projetam receitas capazes de sustentar crescimentos superiores a 12% ao ano durante vários anos. Mas sem mecanismos de transparência e regulação, essa riqueza pode intensificar vulnerabilidades históricas: dependência de um único setor, exposição a choques externos e captura da renda por elites restritas.A ascensão de Daniel Chapo à Presidência representa uma rutura clara com os governos anteriores de Filipe Nyusi. O seu mandato pretende destacar-se pelo combate à corrupção, profissionalismo no serviço público e rejuvenescimento dos quadros governativos. Contudo, estas intenções só terão impacto se acompanhadas por reformas profundas que contemplem desde a fiscalidade até à regulação do setor extrativo.Diante desta realidade, especialistas apontam para a necessidade de um impulso financeiro equilibrado, estimado em cerca de cinco mil milhões de euros, pautado por rigor e gestão orientada a resultados palpáveis. Parte desse montante deve estabilizar os fluxos financeiros do Estado e das empresas; o restante deve financiar infraestrutura produtiva, formação técnica e o fortalecimento de micro e pequenas empresas integradas nas cadeias locais. Para que esta estratégia se traduza em desenvolvimento inclusivo, é indispensável avançar com medidas tangíveis e estruturantes: digitalização fiscal para reduzir evasão e aumentar a capacidade de captação de receitas, programas de capacitação técnica que integrem jovens e trabalhadores nas cadeias produtivas ligadas ao gás e a setores diversificados, criação de um fundo soberano capaz de gerir de forma transparente e intergeracional as receitas extraordinárias, estabelecimento de um banco de fomento orientado para financiar projetos produtivos e diversificação económica, implementação de uma moeda digital que aumente a inclusão financeira e reduza custos de transação, e criação de um canal dedicado ao apoio ao investimento direto estrangeiro, simplificando processos e garantindo previsibilidade regulatória.Estas medidas, articuladas com uma modernização administrativa assente na simplicidade dos processos, digitalização e estabilidade normativa, podem transformar a bonança energética em motor de desenvolvimento diversificado e sustentável. O sucesso de qualquer programa dependerá da capacidade de Moçambique em garantir transparência, prestação de contas e supervisão eficiente dos recursos públicos. O reforço institucional e mecanismos sociais são indispensáveis para assegurar que a riqueza beneficie a maioria dos cidadãos. Portugal e a União Europeia têm aqui uma oportunidade singular: não apenas financiar, mas transferir conhecimento e institucionalidade. A afinidade cultural e linguística, aliada à experiência portuguesa em gestão pública, são vantagens estratégicas a mobilizar.Moçambique está perante uma escolha histórica: transformar a riqueza energética em motor de desenvolvimento inclusivo ou repetir o ciclo de dependência e frustração. O país tem hoje a possibilidade de afirmar-se como exemplo de governação responsável e crescimento autónomo, capaz de projetar estabilidade e prosperidade para as próximas gerações. O tempo da decisão não é futuro distante, é presente imediato. O que se fizer agora definirá se Moçambique será apenas mais um território de promessas incumpridas ou um caso exemplar de afirmação nacional e liderança africana na era do gás.Analista de Estratégia, Segurança e Defesa