Mitos em estilhaços 

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Quantas vezes ouvimos dizer que para repartir a riqueza é preciso primeiro produzi-la. A mensagem é clara: não reivindiquem, trabalhem que quando a riqueza for maior cá estaremos, nós os governantes, nós os empresários, para a distribuir de forma justa.

Ofuscados os portugueses focaram-se no trabalho esperando por melhores dias. Outros mais ambiciosos emigraram.

Os que ficaram aprenderam agora a lição. No ano em que a economia mais cresceu, em que a riqueza mais cresceu, o poder de compra sofreu igualmente a maior redução dos últimos 40 anos. A realidade é trágica. As ilusões pagam-se caras.

A economia a crescer não serviu para repartir mas para concentrar nuns e empobrecer a maioria. Para que serviu o esforço? Para ficar pior.

Aumentar a riqueza como o disse Papa Francisco não é a base da redistribuição. Como perguntou: quando chegará o momento de repartir essa colossal riqueza criada por todos?

O outro mito é o dos estudos como fonte de melhoria económica e social. É certo que os ordenados dos que estudaram mais anos são superiores aos dos que estudaram menos. Estes últimos ganham o ordenado mínimo os outros menos de 1500 euros.

A realidade é que para melhorar o nível de vida a solução não é estudar mas sim emigrar. Qualquer trabalhador, qualificado ou não qualificado consegue melhorar substancialmente a sua remuneração e a sua qualidade de vida simplesmente passando a fronteira. Quanto mais se deslocar para o centro da Europa maior será o ganho. O ordenado de um licenciado em Portugal é, na generalidade dos casos, inferior ao ordenado mínimo nos países do centro europeu (Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Suíça, Luxemburgo, etc.).

A simples deslocação espacial é mais produtiva do ponto de vista de melhoria pessoal do que anos adicionais de estudos.

Quando se sabe que um médico em inicio de carreira ganha menos do que um operador de supermercado em Espanha ou do que qualquer trabalhador não qualificado em França, e vive pior, coloca-se a pergunta: quem prefere viver pior do que viver melhor? Seguir a carreira em Portugal é a opção racional a tomar?

Milhões de portugueses já responderam a esta pergunta. Em todo o lado pelo mundo fora encontramos portugueses. Onde temos dificuldade em os encontrar é em alguns bairros do centro de Lisboa. Bairros completamente tomados pelo turismo, pelo Alojamento Local (AL), que tem expulsado os residentes para os lares sem condições, para as periferias cada vez mais longínquas, para fora do seu país ou simplesmente para as ruas.

Queremos um país para turistas ou para nós? Um país em que outros possam vir desfrutar dos nossos baixos salários, da nossa falta de acesso à habitação, da nossa transformação em nativos incómodos que devem ser afastados sem contemplações.

Este é outro mito. O de que o turismo cria riqueza. O que sabem é que expulsa os residentes das suas casas, paga o ordenado mínimo, destrói as cidades e obriga a elevados investimentos públicos de que os residentes não beneficiam. A riqueza que cria fica com as cadeias de hotelaria (estrangeiras), as companhias aérea (estrangeiras), as grandes empresas de turismo (estrangeiras). Pouco ou nada fica para os portugueses. As regiões mais turísticas do nosso país, como a Madeira, são simultaneamente das mais pobres.

Quando conseguiremos falar dos nossos problemas sem recorrer a mitos e ideias erradas?

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