Missão (im)Possível: a resolução de pendências na AIMA 

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Há um ano e uns quantos meses, herdava-se uma AIMA caótica. As pendências com as "manifestações de interesse" ascendiam a cerca de 450.000. A Instituição pouco funcionava, desorganizada e paralisada após uma reforma apressada e nada compreendida. A realidade era ainda mais dramática: acresciam os pedidos de renovação de autorizações de residência a caducar, os requerimentos para estudos e investigação, e um congelamento dos processos de reagrupamento familiar. 

Se é verdade que qualquer atraso administrativo causa danos aos cidadãos, estes atrasos causam-nos de uma forma muito mais profunda. Um cidadão estrangeiro sem documentos é um cidadão sem os direitos mais básicos: não consegue abrir uma conta bancária, arrendar uma casa, arranjar trabalho. Apesar de os filhos poderem frequentar a escola e serem inscritos no centro de saúde, tais inscrições não se fazem, seja por desconhecimento (às vezes dos próprios serviços), seja por medo. O cidadão indocumentado é ainda uma presa fácil de exploração: sabe-se que nunca irá fazer queixa às autoridades, por isso pode ser abusado e sugado das mais variadas formas. É por esse motivo que, no Verão de 2024, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que a obtenção de documentos era condição para se poder beneficiar dos direitos, liberdades e garantias mais fundamentais.  

A situação era insustentável, e para um número crescente de pessoas, que viviam entre nós como espectros num submundo paralelo, desumana. Assim, em junho de 2024, o Governo decidiu criar uma "estrutura de missão" para recuperar as pendências. O trabalho era bíblico e esmagador. Hoje, os números revelam-se impressionantes: mais de 750 mil atendimentos, mais de 300 mil títulos de residência emitidos, 60 mil decisões de indeferimento. Foram já concluídos 97% do total dos processos de manifestação de interesse pendentes. 

Esta operação foi considerada “sem precedentes na administração pública”, multiplicando por sete a capacidade de resposta do Estado, e envolvendo parcerias com Autarquias, Associações de Imigrantes, Ordem dos Advogados e Ordem dos Solicitadores. 

Não se trata apenas de números ou de eficiência. O sucesso da missão permitiu colmatar as gravíssimas consequências de uma política de imigração irresponsável no passado, e restituir milhares de cidadãos à vida em sociedade. Demonstrou ainda que no nosso país não podemos permanecer acomodados à ideia de que tudo corre mal, pois essa crença imobiliza e desresponsabiliza. Quando há vontade, competência, cooperação e diálogo, não há missões impossíveis. Nem tudo terá sido certamente perfeito, mas, no que toca à resolução efetiva de centenas de milhares atrasos, o Governo e o país estão de parabéns.  

É com esta nota positiva que deixamos 2025, ano em que terminará esta missão. Ficam ainda muitos processos por resolver. Desejamos que, em 2026, se continuem a tratar estes com o mesmo afinco, já que está em causa, em particular, o reagrupamento de famílias separadas há já demasiado tempo. E, no resto, que o Governo volte a adotar uma verdadeira posição humanista, que aqui conseguiu concretizar.  

Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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