Que quem já é pecadorsofra tormentos, enfim!Mas as crianças, Senhor,porque lhes dais tanta dor?!...Porque padecem assim?!...(em Balada da Neve) Augusto Gil, advogado e poeta (1873-1929) A dor, certamente, não bate assim, tão leve, levemente. Mas, em Portugal a partir da época 2025-2026, pode deixar de bater nas crianças por causa da gripe. Ou pelo menos, passar a bater muito menos.Este ano, a Direção-Geral da Saúde ampliou a recomendação universal de vacinação para todas as crianças até aos 5 anos, garantindo a sua gratuitidade até aos 2 anos. Trata-se de uma medida que deve encher-nos de orgulho e que concretiza um objetivo há muito desejado por médicos, outros profissionais de saúde e muitos pais. É um passo significativo que está alinhado com as recomendações da Organização Mundial da Saúde e do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC – Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças), além de seguir as melhores práticas já adotadas noutros países europeus.Num estudo coordenado pelo ECDC, que analisou o impacto das doenças infeciosas nos países da União Europeia entre 2009 e 2013, a gripe foi identificada como a doença associada à maior carga de doença. Uma realidade que não é indiferente aos avanços médicos e científicos das últimas décadas que reduziram drasticamente as consequências de outras doenças, tais como, a tuberculose, o VIH/SIDA, a varíola e o sarampo.No âmbito da gripe as crianças representam na perfeição o binómio de vítimas da doença e vetores transmissão na comunidade. A atividade sazonal da gripe na comunidade inicia-se nas crianças, as primeiras vítimas da doença, que de seguida são vetores de transmissão e circulação do vírus influenza na comunidade. A transmissão estende-se aos adultos, ocorrendo sobretudo no contexto familiar, com maior impacto nos avós.Se dúvidas persistissem sobre o impacto direto da gripe nas crianças basta recordar que, na última época de 2024-2025 nos Estados Unidos da América, morreram 280 crianças, com uma idade média de 7 anos e que, pelo menos, cerca de 90% não estavam vacinadas. Em Portugal, o maior estudo publicado analisou o período de 2008 a 2018 e avaliou os internamentos hospitalares das crianças até aos 5 anos. As conclusões evidenciaram uma elevada subnotificação, mostraram que 90% das crianças internadas eram saudáveis, com 75% dos internamentos nos primeiros 24 meses de vida, e estimaram um total de 95 mortes em excesso associadas à gripe. Estes dados reforçam a relevância da vacinação universal das crianças.As vacinas só são eficazes quando administradas. Se é pai ou mãe, inclua a vacinação contra a gripe na rotina anual dos seus filhos. Eles beneficiam, a família protege-se e a comunidade agradece. Chegou o momento de fazer a gripe bater mais leve, levemente! Doutorado em Saúde Pública Membro do Conselho Nacional de Saúde Pública