Mariana mete água

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Nem reconhecendo que o BE teve “uma grande derrota” Mariana Mortágua é capaz de pedir a demissão. Daria dignidade a uma estrutura em colapso. Não é abandonar o barco quando vai ao fundo: é reconhecer que foi a responsável por meter água no mesmo. Em 2009 o BE tinha cerca de meio milhão de votos. Agora, pouco mais de 119 mil. Ao início repleto de ideias progressistas, desempoeiradas, focando-se num público-alvo adulto jovem, burguês mas com Marx no bolso, o Bloco foi vivendo entre as suas incoerências à enfant terrible e beneficiando de uma cobertura mediática exagerada para a expressão que tinha. A comunicação social estava embevecida pelas ideias disruptivas e os temas fracturantes. Graffiti a pulular pelos centros urbanos com o mote aqui poderia viver gente foi a forma mais visível de lutar pela habitação. Veio Robles e a especulação imobiliária. Grande golpe na pseudo-moralidade do partido. Entretanto, um vislumbre de poder: parte integrante da geringonça, convenceu-se que poderia ser governo e, ao mesmo tempo, oposição. As incoerências foram várias e, percebendo que não agradava ao eleitorado habitual, deitou o orçamento abaixo. O contributo para a instabilidade saiu-lhe caro. A troca de líder parecia refrescar a aparência do partido: Mariana Mortágua, a “fera” que enfrentara Salgado com uma pergunta básica, toma as rédeas. De entre muitos deslizes, os imperdoáveis foram conhecidos próximo às eleições: as mulheres grávidas e lactantes despedidas sem qualquer respeito e pudor – para depois ter o descaramento de apelar ao voto feminino na campanha, como se as mulheres fossem estúpidas e não tivessem memória. Mariana nunca conseguiu explicar o episódio, bem como a confusão de trabalho precário – que tanto lutava contra. De repente, quis valer-se da referência histórica do partido – Louçã, Rosas e Fazenda – como se isso fosse garantia de sucesso e reavivamento do paraíso inicial. Nada evitou o descalabro. A infantilização da campanha, os vídeos de tiktok e o lenço palestiniano não foram suficientes para um eleitorado mais exigente, mais saturado, com um novo Messias da esquerda a encantar. Mariana não serviu para líder. E não é capaz de reconhecer isso.

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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