Há muitas esquerdas e muitas direitas. Umas mais fundamentalistas, outras mais autoritárias; umas mais democráticas, outras mais elitistas. Não falta por onde escolher. A propaganda, as redes sociais, os conteúdos falsos gerados por inteligência artificial e a dramática perda de independência do jornalismo encarregam-se de baralhar, confundindo e enganando até os mais atentos. Ainda assim, há um teste simples que distingue os políticos: a proximidade com os eleitores e com os seus problemas reais.O paralelo que aqui proponho é entre a vitória de Zohran Mamdani em Nova Iorque e a saída de Mariana Mortágua da liderança do Bloco de Esquerda. O primeiro, democrata da ala esquerda, arrombou a porta do establishment e venceu inequivocamente a eleição para mayor da maior e mais cosmopolita cidade norte-americana. A segunda, pelo contrário, levou o seu partido à irrelevância e sai pela porta pequena, sem deixar saudades.Na eleição nova-iorquina, o democrata Andrew Cuomo partia como favorito, mas as acusações de assédio sexual ditaram-lhe a derrota nas primárias. O republicano Curtis Sliwa nunca chegou a ganhar tração – não estava, de facto, lá para vencer. Já Zohran Mamdani foi crescendo nas sondagens e, a poucos dias da votação, os incumbentes uniram-se numa frente improvável para travar um jovem de 34 anos, imigrante e muçulmano, determinado a mudar Nova Iorque. Foi curioso ver o presidente republicano Donald Trump e muitos democratas apelarem ao voto em Cuomo, que após a derrota nas primárias avançou como candidato independente.É caso para dizer que o sistema existe. Mas desta vez não funcionou. Mamdani venceu e a pergunta impõe-se: como o conseguiu? A resposta é simples: focou-se nos problemas concretos das pessoas. Falou de transportes, habitação, alimentação. Propôs congelar rendas, tornar o transporte público gratuito e criar uma rede de supermercados municipal. Estas ideias fizeram eco num eleitorado cansado de ver o custo de vida disparar.Antes mesmo de entrar na política, Mamdani já trabalhava como conselheiro de prevenção de execuções hipotecárias, ajudando famílias de baixos rendimentos a evitar despejos. E isso deu-lhe credibilidade quando prometeu lutar por elas.É aqui que se observa o contraste com Mariana Mortágua. Em vez de descer à rua e trabalhar com as pessoas, a líder cessante do Bloco – que deveria ter objetivos semelhantes de melhorar a vida dos mais desfavorecidos – parece olhar a política a partir de um pseudoelitismo intelectual.O erro de abordagem de Mortágua ficou evidente quando decidiu embarcar na flotilha rumo a Gaza, precisamente quando tudo acontecia em Portugal: o aquecimento para as presidenciais, a preparação do Orçamento do Estado e o arranque da pré-campanha autárquica.Enquanto isso, Mamdani – muçulmano, sim – ficou em Nova Iorque, onde a luta por um futuro melhor se travava com e para as pessoas. Ganhou. Por cá, o Bloco de Mortágua, que já só tem um deputado no parlamento, quedou-se agora por um único vereador em todo o país, eleito a cavalo de uma coligação. Professor catedrático