MacGuffin
É geralmente associado a Alfred Hitchcock o uso do recurso a um elemento, que se revelará menor ou irrelevante no desfecho da narrativa, para centrar a atenção dos espectadores, de modo a distraí-los de aspectos mais importantes do enredo. A designação foi usada pelo cineasta numa entrevista dada a François Truffaut, embora o recurso tenha uma longa tradição, por exemplo, na literatura. Há quem faça remontar a sua origem à maçã bíblica, mas isso talvez seja esticar demasiado o conceito De regresso ao cinema, Orson Welles usou-o de forma magistral no seu Citizen Kane.
Esta forma de distrair do essencial a partir de um detalhe, em regra sem qualquer relação com as matérias mais importantes do momento, foi-se tornando um estratagema comum na vida política. Não pretendendo fazer a arqueologia do tema, fiquemos pelo exemplo, ficcionado, do enredo do filme Wag the Dog (Barry Levinson, 1997), no qual um presidente em apuros recorre aos serviços de um spin doctor para distrair a opinião pública de um escândalo embaraçoso, encenando uma inexistente guerra na Albânia com a ajuda de um produtor cinematográfico. Curiosamente, o filme surgiu pouco tempo antes do escândalo Clinton/Lewinsky, marcado pelo lançamento, por ordem do presidente americano, de 75 mísseis contra refúgios da al-Qaeda no Afeganistão e Sudão no mesmo dia em que aquela compareceu pela primeira vez em tribunal para depor sobre o caso.
Em contextos mais modestos, com menores recursos, um pouco por todo o lado, tornou-se habitual que se lancem acusações ou alegações ou se façam anúncios, em regra falsas ou hiperbolizando a sua relevância, de modo a focar o interesse mediático e captar a atenção da opinião pública, afastando os olhares de outros problemas ou procurando antecipar notícias adversas.
Nos últimos dias, o MacGuffin da política nacional foi o anúncio, a encerrar o Congresso do PSD, de que iria ser revista a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, obrigatória no Ensino Básico, para a libertar de alegadas “amarras ideológicas”. O que provocou forte comoção e entusiasmo na assistência, mesmo se o anúncio era requentado de declarações feitas há várias semanas, embora de modo mais discreto e num outro contexto.
Seguiu-se um epifenómeno de estridência e acusações variadas, com o recurso a termos e expressões que se vulgarizaram na vida política, mesmo quando se afirma a importância dos valores cívicos. É caricato que um ex-governante que afirma defender o progresso civilizacional e a tolerância perante a diferença trate como “chalupas” os seus adversários.
Com tudo isto, desviou-se a atenção de uma reunião destinada a lançar as negociações sobre a revisão do estatuto da carreira docente que nada trouxe de novo, sem ser um cronograma.
MacGuffin funcionou na perfeição.