Lula, o Congresso e o Supremo

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Num evento recente, Lula da Silva disse que “o Congresso nunca teve o baixo nível que tem agora”, na frente de Hugo Motta, o presidente do órgão, que ouviu calado. E completou: “aquela extrema-direita que se elegeu na eleição passada é o que existe de pior".

Não dá para discordar do presidente do Brasil quando se pensa nos deputados Carla Zambelli, condenada por se associar a um hacker para fraudar o sistema de justiça, Eduardo Bolsonaro, que está há seis meses nos EUA a pressionar Washington a aumentar tarifas e punir autoridades brasileiras, ou Zé Trovão e Antônio Doido, cujos nomes de guerra são autoexplicativos. Ou ainda os 28 parlamentares que usam o título de pastor, missionário, bispo ou reverendo mais os 14 capitães, coronéis, tenentes, sargentos ou delegados - há até um que acumula, o Pastor Sargento Isidório, deputado que se declara ex-gay.    

Também não se pode contrariar o presidente da República se levarmos em conta que 111 dos 513 deputados têm pendências na justiça, entre os quais Chiquinho Brazão, acusado de ser o mandante da execução de Marielle Franco.

A qualidade, ou falta dela, do Congresso Nacional brasileiro, fruto da era digital que não só deu voz como elegeu uma grande legião de imbecis com os votos de legiões ainda maiores de imbecis, não é, de facto, responsabilidade de Lula. 

Mas a qualidade do Supremo Tribunal Federal (STF), cujos 11 membros são indicados pelo presidente da República, é. E aí Lula não tem sido criterioso - para dizer o mínimo - na escolha.

À hora a que lê este texto provavelmente Jorge Messias já foi nomeado para uma vaga na suprema corte. Ora, sem pôr em causa o saber jurídico de Messias, os principais critérios para a indicação divulgados na imprensa são 1) ser ministro e aliado de sempre de Lula e 2) ser evangélico, o segmento do eleitorado que o presidente perdeu para a extrema-direita e quer recuperar na eleição de 2026. 

Antes, nomeara outro membro do governo, ainda mais lulista e ainda mais político, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, que substituiu o juiz reformado Ricardo Lewandowski, que, por sua vez, ocupou o lugar de Dino como ministro da Justiça, assim mesmo, sem períodos de quarentena, de luto, de nojo.

E antes foi Cristiano Zanin a passar, do dia para a noite, do papel de advogado pessoal de Lula para o do juiz do STF.          

Aliás, já no mandato anterior, em 2009, Lula havia escolhido Dias Toffoli, então jovem advogado do Partido dos Trabalhadores, para a corte, sem nenhum prurido.

Claro, não é caso único no mundo democrático: Donald Trump partidariza escancaradamente o supremo americano. E Jair Bolsonaro listou como parâmetros de nomeação dos seus dois escolhidos “alguém com quem eu possa tomar uma cerveja”, primeiro, e “alguém terrivelmente evangélico”, depois, o mesmo critério que Lula usa agora com Messias.

Mas assim, num evento futuro qualquer, Lula arrisca-se a ouvir dizer - e ter de ouvir calado - que o STF nunca teve a baixa qualidade que tem agora.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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