'Little Britain' na Avenida Paulista

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Uma das mais interessantes personagens da série cómica Little Britain, exibida na BBC de 2003 a 2006 e em Portugal mais ou menos por essa altura, era Daffyd Thomas, que se proclamava “the only gay in the village”, isto é, “o único gay da aldeia”.

Nessa aldeia no coração de Gales, Llanddewi Brefi, a população era composta maioritariamente por agricultores e mineiros homofóbicos. Myfanwy, a dona do pub onde as cenas se desenrolavam, era a exceção.

E, sempre que possível, ela, qual cupido, tentava que outros gays de passagem na aldeia conhecessem Daffyd, que, sentado ao balcão, vestido com exuberantes roupas de látex, os ia hostilizando um a um. Porque, no fundo, ele não queria um parceiro - ele queria mesmo era ser “the only gay in the village”.

Na extrema-direita brasileira, Jair Bolsonaro e adjacências são o Daffyd de Little Britain.

Vivendo da mentira online, do cristianismo charlatão, do negacionismo retardado, da luta contra moinhos de vento comunistas e de um gado eleitor sem limites para a credulidade, era suposto que Bolsonaro e adjacências se tornassem parceiros de outros políticos que vivessem da mentira online, do cristianismo charlatão, do negacionismo retardado, da luta contra moinhos de vento comunistas e de um gado eleitor sem limites para a credulidade, como o coach Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo nas eleições de outubro.

Mas não: Bolsonaro e adjacências querem ser os únicos aldrabões a viver às custas da credulidade do eleitorado - em suma, eles querem ser, “the only gays in the village”.

As manifestações da extrema-direita brasileira na Avenida Paulista de 7 de setembro, dia da independência do país, que nesta tosca metáfora assumem o papel do pub da cupido Myfanwy, seriam o ponto do encontro ideal para Bolsonaro e Marçal, enfim, iniciarem um romance político.

Porém, Marçal, que chegou de helicóptero ao local para depois recortar a aparição em forma de vídeos curtos de internet, foi impedido de subir ao palanque onde discursavam Bolsonaro e adjacências.

Num vídeo de WhatsApp, o ex-presidente chamou ao candidato a prefeito “aproveitador”, “traidor” e “arregão [cobarde]” por se tentar aproveitar do trabalho dos outros - mais ou menos o que Daffyd sentia à chegada de outro gay.

Já Marçal, acabado de voltar de uma viagem internacional para se encontrar com Bukele e Milei, chefes de Estado de El Salvador e Argentina, sem ser recebido por nenhum deles, respondeu à letra, desviando o “povo”, palavra de que Bolsonaro tanto abusa, da boca do ex-presidente. “Eu não subi no palanque, mas acabei caindo nos braços do povo.”

“Narcísico, megalomaníaco, soberbo que quer tirar proveito de tudo”, contrapôs então o pastor milionário Silas Malafaia, adjacência de Bolsonaro. “Ele queria fazer cortes de internet para a campanha dele, é mentiroso e manipulador, não é digno dos votos dos evangélicos.”

Marçal replicou, roubando o Velho Testamento, de que Malafaia tanto abusa, da boca do pastor milionário. “O comunismo é o Golias, eu sou o David, e entrou uma personagem nova neste fim de semana, o Eliabe, irmão de David, que se levanta para o desmoralizar: Eliabe é o Malafaia, só há uma pessoa de quem eu tenho medo, é o Deus vivo.”

Em breve, mais notícias de Llanddewi Brefi, perdão, da extrema-direita do Brasil.

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