The Economist: "António Costa, primeiro-ministro de Portugal desde 2015, pediu a demissão após a Polícia ter efetuado buscas na sua residência e detido o seu chefe de gabinete. A investigação tem por base a exploração mineira de lítio e a produção de hidrogénio verde, projetos entusiasticamente apoiados pelo Governo socialista de Costa." Entusiasmo. Temos um primeiro-ministro tão entusiasmado ao ponto de ser acusado de corrupção por causa do lítio?.Sabendo-se que Costa não é Sócrates, o seu genuíno objetivo era provavelmente o famoso "interesse nacional", o desenvolvimento, o emprego, o conhecido "andarmos p"ra frente". Ora, estes são princípios do poder. Foi o Governo de Passos Coelho quem autorizou em 2012, de uma assentada, 115 explorações mineiras, algumas das quais são estas, as do lítio. Por seu lado, a esquerda tem defendido em uníssono um aeroporto em Alcochete, apesar de uma devastação ambiental que arrasa 250 mil sobreiros e o maior lençol de água limpa da Península Ibérica. E continua também sem contenção esta estratégia das corporações das celuloses em fazerem do nosso território um caixote do lixo perpétuo, a partir da espécie mais destrutiva para o nosso ecossistema, o eucalipto - que nos drena água, destrói o solo e mata pessoas por força de incêndios incontroláveis..Portanto, o paradoxo é este: a maioria dos portugueses quer e vota num "desenvolvimento" que, paradoxalmente, as leis ambientais restringem. Não por acaso, muitos partidos, sobretudo de direita, logo que chegam ao poder, mudam as regras de proteção da natureza. Há que "aumentar o emprego", "melhorar a vida das pessoas", "criar riqueza", em nome do glorioso futuro da nação. Trump, logo que chegou, arrasou a Agência do Ambiente dos Estados Unidos (EPA). Bolsonaro mudou a legislação para os lobbies dos minérios e da agricultura poderem explorar mais a Amazónia. No Reino Unido, Rishi Sunak adiou o pacote de mudanças ambientais sine die. Marine Le Pen prometeu lutar contra as restrições ambientais em França logo que chegue ao poder..A culpa é dos políticos? Não apenas. Eles intuem a vontade dos eleitores. Porque a nossa geração preocupa-se em abstrato com o futuro, mas vota para manter o seu modo de vida. E António Costa, como antes Sócrates e Passos, não tem qualquer dúvida de que as eleições se ganham através do crescimento do PIB e da diminuição do desemprego. As boas ações ambientais conquistam votos em franjas de eleitorado, mas se estes temas fossem decisivos éramos governados pelo PAN ou pelo Livre..O que mostram de essencial as escutas do caso Costa? As tentativas de se contornarem as limitações nas áreas protegidas. Por isso, há que levar os presidentes das Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) a subjugarem as suas equipas até redigirem pareceres que viabilizam, quer a exploração do lítio, quer a construção de um data center em zona de proteção da Costa Vicentina. E esta pressão vai funcionando até vermos os estudos de impacto ambiental martelados até que caibam elefantes dentro de garrafas de água. E, nos pareceres, cabem. Mas depois o impacto dos elefantes fica à vista por décadas..Uma nota: viu-se neste alvoroço alguma preocupação com a realidade em si? Ou seja, queremos ou não a contaminação dos aquíferos e destruição de parte do ecossistema agrícola do Alto Minho? Galamba nunca disse outra coisa que não fosse: os aldeões têm de sofrer, a bem do país. Porque são portugueses de segunda. E na verdade, o Poder quer o lítio, como quis as barragens do Sabor e Tua - que acabaram com um paradigma de natureza extraordinário em Trás-os-Montes. Tudo para serem vendidas aos franceses 10 anos depois. Um pedaço inteiro de Portugal..A pergunta que resta destes imbróglios é sempre a mesma: quem fica com os lucros? O sistema financeiro que explora (também) Portugal como plataforma extrativa. É este desenvolvimento a todo o custo que elimina níveis de vida aceitáveis para muitas populações fora dos grandes centros, e a possibilidade de gerarem riqueza pela agricultura, ou turismo, etc., a partir dos pedaços de terra que receberam dos seus ancestrais..Escária, Galamba, Lacerda, desaguando em Costa, tiveram pela frente um problema que os tornou potencialmente à mercê das funções da Procuradoria-Geral da República: o respeito pela lei, neste caso ambiental. Ora, com PSD, Iniciativa Liberal e sobretudo o Chega, este problema pode ser muito mitigado. Mudam-se as leis e termina a corrupção. Mais fácil é impossível. E numa geringonça liderada por esse fazedor destemido, como é Pedro Nuno Santos, a tentação é idêntica, como se viu no dossier dos dois aeroportos. Vai tudo à frente..Como me disse uma alta figura de Bruxelas, em 2021, já na altura a propósito do lítio, Portugal quer ser o fornecedor do lítio europeu a todo o custo, ainda que a nossa circunstância obrigue a destruir 10 toneladas de pedra para obter uma tonelada de lítio, e a gastar quantidades de águas inauditas na extração e refinação. Um modelo de desenvolvimento à Congo belga, diz-se lá fora. E sabem que mais? Estamos a conseguir..Jornalista