Lisboa quer realmente a Web Summit?

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1 - A Web Summit chegou a Lisboa em 2016. O carbono zero é um dos mantras do evento e desta geração web". Mas, a dois passos dali, Portugal reina: o mais básico acesso aos transportes públicos é pior do que na década de 70 e a cidade fica caótica. Que Lisboa prevalece? A real ou a virtual?

Quarta-feira de manhã, estação da CP, Alcântara-Terra. Máquina de bilhetes com alguma fila, rápida. Muitos estrangeiros. Mas reações estranhas. Razões: máquina com ecrã impossível de ler, face ao Sol. Multibanco sem funcionar. Também sem funcionar o pagamento com notas ou moedas. Nenhuma outra máquina. Bilheteira inexistente. O que fazer? Como se explica isto aos atarantados estrangeiros? Entram no comboio? Toda a gente arrisca. Só que os revisores dos suburbanos de Lisboa não podem vender bilhetes. Resultado: viagens grátis para todos.

De tarde, 17h. Fim da Web Summit: centenas de pessoas tentam comprar bilhete para o Metro. Ao fim de meia hora na fila para a máquina do Metro, desisto. Opto pelo comboio. Má ideia. As duas máquinas CP têm também uma fila enorme. Bilheteiras idem. Quase hora e meia para pagar 1,35 euros. Total: duas horas para ir do Parque das Nações a Alcântara.

A Web Summit está cá há seis anos. Ainda não há uma solução de bilhética para uma conferência que movimenta 70 mil participantes + staff? Em qualquer capital europeia com esta ambição "Web", o telemóvel permitiria o pagamento na entrada do Metro ou comboio. Ou então, funcionários munidos de pequenos terminais, venderiam bilhetes em dias de maior procura. Nada.

Indiferentes, os sindicatos marcam mais uma paralisação do Metro na manhã de quinta-feira (9h30-11h30), pico de entrada no terceiro dia. Na Lisboa de betão, a luta de classes continua. Na "Web Summit Lisbon 2022" as conferências discorrem sobre como a inteligência artificial substituirá cada vez mais postos de trabalho nos transportes.

2 - Questão central: a WebSummit é boa para Lisboa? A cidade é incrível para receber o evento, os portugueses são extraordinários como equipas de apoio - veja-se a notável capacidade da Polícia portuguesa em ter Zelenska num espaço com 70 mil pessoas.

Mais: a Web Summit aproxima-nos de um mundo em disrupção. Aconselho a leitura do título das dezenas e dezenas de conferências que ocorreram. Há uma vertiginosa mudança tecnológica a acontecer. Não fazemos ideia do tsunami que aí vem - na inteligência artificial, no mundo financeiro e nas relações sociais.

Infelizmente a Web Summit deixou de ter as "grandes mentes" como oradores - agora enviam os vices. Por outro lado, as conferências, baseadas em sucessivas conversas de sofá, são um anacronismo. Pior: muitas são entregues a marcas e valem zero para quem assiste.

Quanto à utilidade dos milhões públicos para o evento, reconheçamos: mesmo em tempo de guerra, Portugal não está a cair. Como aconteceu? Alguém plantou o digital e está a funcionar na criação de emprego e atração de tantas empresas. Aliás, o mais importante da Web Summit ocorre no circuito das start-ups. Ter esta gente de mil ideias em Lisboa só pode ser bom.

Já quanto a ter a WebSummit além de 2028, é outra conversa. Porque tantos eventos Paddy Cosgrave quer multiplicar pelo mundo (Brasil, China, Médio Oriente, África...) que Lisboa passa a ser apenas o hub europeu. Chega? Caro Presidente Marcelo, não basta mais betão e milhões para fazer crescer a FIL. É a Web Summit que tem de mostrar porque vai continuar a ser interessante como evento planetário em Lisboa. Porque corre o risco de deixar de o ser.

Jornalista

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