Lisboa: entre a montra e a realidade

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Lisboa vive hoje uma contradição profunda: vende-se ao mundo como vibrante e cosmopolita, enquanto empurra para fora quem a habita. Tornou-se para alguns um ativo financeiro, quando deveria ser o lugar onde a vida acontece.

A cidade enfrenta um processo de transformação, com os últimos tempos a serem críticos. Sob a liderança de Carlos Moedas, tem sido promovida como “cidade do futuro”, centrada em eventos internacionais da tecnologia, dos unicórnios e dos nómadas digitais. Lisboa foi transformada em produto. Essa narrativa – que reflete escolhas políticas – coloca em segundo plano as necessidades urgentes da população.

Os bairros históricos tornaram-se vitrines turísticas, e a habitação – direito constitucional – um luxo inacessível. Em nome da “reabilitação urbana”, promoveu-se a expulsão de milhares, trocando vizinhos por hóspedes e lares por alojamentos temporários. Este processo não foi inevitável; foi uma opção. A liberalização do arrendamento, a falta de regulação do alojamento local e a entrega do mercado imobiliário às lógicas especulativas criaram terreno fértil para a gentrificação. E cada vez que se invoca o “dinamismo económico” sem reconhecer quem fica pelo caminho apaga-se uma parte da alma da cidade.

Paralelamente, degradam-se os serviços públicos, o espaço e a higiene urbana, enquanto cresce o desamparo das pessoas em situação de sem-abrigo e populações migrantes, se normaliza um discurso securitário que pouco resolve e muito exclui.

Apesar de tudo, Lisboa resiste.

Há movimentos que lutam contra despejos; promovem o cooperativismo; cidadãos que se mobilizam pelo direito a transportes públicos de qualidade; quem defenda o património natural da cidade, quem reivindique mais participação.

Num tempo em que o descrédito político e o desânimo cívico crescem, se ouve frequentemente “O meu voto não muda nada”, é urgente lembrar que a democracia não se sustenta sem participação. É o momento em que todos têm o mesmo peso para decidir o rumo coletivo: que políticas defendemos, que futuro escolhemos. São escolhas – e as escolhas políticas fazem-se nas urnas. Quando deixamos de votar cedemos esse poder a outros. E, no silêncio da abstenção, entregamos a decisão a quem escolhe agir por nós.

Estamos no final de mais uma campanha autárquica. Por todo o país há candidatos que se desdobram para explicar ao eleitorado – o seu e o potencial – as razões pelas quais se deve votar em A e não em B. Repete-se o apelo ao “voto útil”.

Útil é participar na vida da cidade, no bairro, nas associações. Útil é votar sem constrangimentos, escolhendo projetos políticos capazes de transformar a realidade, representando o rumo que queremos.

Lisboa precisa dessa mudança de rumo – com coragem, empatia e visão coletiva. Precisamos de uma cidade que acolha, em vez de expulsar. Uma cidade para os 99% da população e não para o 1% de privilegiados. Que escute, em vez de impor.

Num tempo de discursos que normalizam a exclusão e o ódio, cada voto consciente conta. É um tijolo erguido contra a intolerância — uma afirmação de que acreditamos numa cidade mais justa, mais livre e mais igualitária.

No dia das eleições, não fique em casa. Vá votar. Porque a sua voz conta. Sempre contou. E continuará a contar, se a usar.

Vereadora independente, Cidadãos Por Lisboa, na CML

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