Há 10 anos sem eleições, esta tem sido a grande luta da UNSMIL, a Missão de Apoio das Nações Unidas, que desde 2011 consegue fazer os mínimos, ao manter o caos em contacto com o resto do mundo!.Com o país partido em três (Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan) e cada uma destas grandes regiões “a fugirem uma da outra” e pulverizadas em etnias transformadas em milícias, mais dois governos/parlamentos (Trípoli-Governo do Acordo Nacional e Benghazi-Congresso Geral Nacional), tem-se provado praticamente impossível organizar eleições presidenciais e legislativas. Tem havido inclusivamente governos a tomarem posse exclusivamente para organizarem eleições! Por isso mesmo, para já, a solução é apostar na organização de eleições municipais, com o anúncio do Alto Comissariado para as Eleições, que iniciou a doze último o registo dos cadernos eleitorais em 60 municípios, de um total de 106. Até 23 do corrente, o procedimento será este, seguido da emissão do Cartão de Eleitor e distribuição dos mesmos. Não há ainda data fixada para a realização destas autárquicas, mas projectam-se para uma das duas últimas semanas de agosto..Leitura.Mais do que uma “correcção de tiro” na versão líbia do “quem não tem cão caça com gato”, a realização destas eleições trata-se de uma inevitabilidade de todas as partes e mais uma!.“Todas as partes”, equivale ao Governo do Acordo Nacional e à UNSMIL, com mandato a terminar em outubro próximo, finalmente conseguirem apresentar trabalho! “E mais uma”, é o Congresso Geral Nacional, o “Governo de Benghazi” a fazer o “dois em um” em que trabalha desde 2011. Sim, a Cirenaica, a província leste da Líbia sempre forçou um plano autonomista, desde o fim do regime Kadhafi. Como tal, organizou de forma totalmente independente eleições locais, logo em 2012. Estas, de agosto de 2024, a realizarem-se, são mais um “tijolo na parede cirenaica”, que se levanta por uma Líbia Federal. A UNSMIL deverá, aliás, ser a primeira a advogar este inevitável, após duas décadas de não avanços e de uma crescente pulverização dos centros de decisão no país..A Líbia “procura o seu Kadhafi unificador”, enquanto a comunidade internacional procura uma “unificação onusiana” sob padrões estranhos para quem viveu 40 anos sob uma lógica de organização social e política num esquema de democracia popular, com os comités de base a elegerem comités superiores, numa lógica soviete à medida.que a pirâmide social ia subindo e afunilando, até chegar ao omnipresente e omnisciente Ditador! Estes comités, esta eleição popular desde o “bufo do bairro” ao Director dos “CTT líbios”, entroncam na tradição amazigh das comunidades do Grande Sahara e no resgate de memória em que estão empenhados, na reconstituição, precisamente, de um espaço confederacional organizado nas comunidades locais e isento de passaportes, enquanto a livre circulação impera(rá) do Atlas ao Vale dos Reis, de Trípoli a Agadèz. Uma utopia chamada Tamazgha!.Simbólico, inevitável e previsivelmente competitivo, este processo prevê agora naturais disputas por lideranças, lugares elegíveis, “fronteiras” municipais, financiamento e aparato securitário. O primeiro semestre líbio, termina assim com uma boa notícia e a realização de evento político que poderá vincar ainda mais uma solução federal para uma Líbia maioritariamente amazigh (berbere), marcadamente nómada e de maioria muçulmana não praticante, que neste caso produziu “líbios à solta” e com uma utopia própria!.Politólogo/Arabista.www.maghreb-machrek.pt (em reparação).O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.