Liberdade/Verdade
Sei que é ingénuo acreditar que a Revolução que comemoramos amanhã significou o fim da mentira como arma política. Infelizmente, com a Democracia, não desapareceram as narrativas truncadas, a propaganda baseada na distorção dos factos ou a tentativa de condicionar a acção política através da manipulação da informação.
Para além dos interesses em confronto na luta político-partidária que levam a ver a mesma coisa sob prismas antagónicos, temos o ressurgimento das teorias relativistas em relação à realidade que nos tentam convencer que um parafuso só é um parafuso se assim quisermos que seja ou se a nossa cultura assumir que assim é ou se considerar que tal conceito é relevante.
Apesar disso e de saber que no tempo actual quem insiste na importância de alguma objectividade nas descrições é tido como anacrónico e positivista, no pior dos sentidos, gosto que exista um mínimo de consenso sobre aquilo de que se fala, em especial quando está em causa a tomada de decisões em matéria de políticas públicas.
Vem isto a propósito da tentativa de criar algum alarme social em torno da necessidade de rever o regime de gestão escolar, no que se refere à limitação legal de mandatos dos directores escolares, ou seja, 16 anos distribuídos por 2 mandatos e 2 reconduções, de forma sucessiva, acumuláveis com o tempo anterior à legislação que em 2008 criou o modelo em vigor.
Já em finais de 2023, dizia-se que estavam “várias escolas em risco de ficar sem directores em 2025” e os representantes das associações de directores temiam que a substituição fosse difícil, pelo que apelavam à mudança de regras” (Público, 23 de Dezembro de 2023). Já este mês, voltavam os clamores de alarme, porque “cerca de 200 directores serão obrigados por lei a abandonar o comando das escolas que lideram” e ser uma “pena essa experiência perder-se” (Público, 13 de Abril de 2025).
A tentativa de condicionar as decisões políticas é evidente, mesmo recorrendo a argumentos falacciosos ou sem fundamentação empírica. Por duas razões factuais facilmente demonstráveis: consultando os procedimentos concursais em decurso para provimento do cargo de director desde o início do ano até meados de Março, em cerca de 80 concursos só encontrei 2 que ficaram sem candidatos; para além disso, consultando os dados sobre os cursos de formação especializada, pós-graduação e mestrado em gestão e administração escolar (que dão acesso ao cargo de director) encontramos nos últimos anos centenas de vagas preenchidas por todo o país.
O que significa que nem existe falta de potenciais candidatos com a formação adequada, nem se verifica qualquer falta dramática de candidaturas nos concursos a decorrer. O que significa que os pretextos alegados são falsos e nem sequer abordo aqui os truques usados para contornar uma lei mal feita.
Liberdade, democracia e verdade deveriam andar de mãos dadas, mas… abril tem mesmo muito por cumprir.
Professor do Ensino Básico.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.