Leão XIV, o mediador

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A Santa Sé está disponível para que os inimigos se encontrem e se olhem nos olhos”, disse o papa Leão XIV num encontro com as Igrejas Orientais, antes da missa inaugural do seu pontificado. Ora o primeiro papa norte-americano talvez não tenha de esperar muito para pôr à prova a diplomacia do Vaticano, ou não estivesse a ser desafiado a servir de mediador entre a Rússia e a Ucrânia. Ajudar a encontrar uma solução para o pior conflito na Europa desde a II Guerra Mundial seria, sem dúvida, um feito capaz de marcar o início do seu pontificado. E a verdade é que o Vaticano tem uma longa tradição de mediar em momentos de crise.

O mais recente sucesso de mediação do Vaticano foi a aproximação entre EUA e Cuba, que culminou, em 2016, com a visita do presidente Barack Obama a Havana, onde foi recebido por Raúl Castro. Apesar de as negociações terem decorrido no Canadá, o próprio Obama saudou a intervenção papal, afirmando: “Quero agradecer a sua santidade, o papa Francisco, cujo exemplo moral nos mostra a importância de perseguir um mundo como deve ser, em vez de nos contentarmos com o mundo como ele é.” O entendimento alcançado - com os EUA a aliviarem partes do embargo económico e a retirarem Cuba da lista de Estados patrocinadores do terrorismo, e Havana a libertar prisioneiros norte-americanos - acabaria por ser revertido, com a chegada ao poder de Donald Trump, em 2017.

Se recuarmos mais, já o papa João Paulo II conseguira que Argentina e Chile, após mais de um século de disputa pelo controlo do Canal de Beagle, chegassem a entendimento em 1984, tendo assinado, no Vaticano, o Tratado de Paz e Amizade, que resolveu questões pendentes sobre o Estreito de Magalhães.

A diferença para o conflito na Ucrânia é que, nestes exemplos do sucesso da diplomacia do Vaticano, todas as partes envolvidas tinham forte influência católica, inclusive os EUA. Rússia e Ucrânia são países de clara maioria ortodoxa, cada um com a sua respetiva Igreja e líder. Além disso, há o desafio logístico. As sanções europeias e a proibição de viajar a várias personalidades russas estarão a deixar Moscovo reticente em enviar negociadores ao Vaticano. O que já levou as autoridades italianas a informar que, de acordo com o Tratado de Latrão, que em 1929 estabeleceu o Estado do Vaticano, Roma tem de garantir passagem segura às delegações diplomáticas que se dirigem à Santa Sé. E já aconteceu, quando Olga Lyubimova, a ministra da Cultura russa, alvo de sanções, foi autorizada a assistir ao funeral do papa Francisco.

Nos últimos meses, o Vaticano, através do enviado papal para a Ucrânia, o cardeal Matteo Zuppi, intermediou trocas de prisioneiros e o regresso de centenas de crianças ucranianas levadas pela Rússia. Desde que foi eleito, Leão XIV já referiu várias vezes a Ucrânia, apelando a “uma paz justa e longa”. Vamos ver como é que o homem, que, enquanto cardeal, denunciou a “invasão imperial” da Ucrânia, se sai nesta primeira prova de fogo.

Editora-executiva do Diário de Notícias

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