Legado comum da Grande Vitória
No dia 9 de maio, todos os povos da antiga URSS e os nossos amigos dos Estados da maioria mundial celebram o 80.º aniversário do fim da Grande Guerra Patriótica. A feroz batalha contra os fascistas alemães, que invadiram o território soviético em 22 de junho de 1941, prolongou-se por 1418 dias. Depois de ter derrotado o inimigo, o Exército Vermelho libertou a terra natal da imundície nazi e salvou a Europa da “peste castanha”.
Os acontecimentos trágicos dessa época estão profundamente inscritos no código genético dos russos, e o Dia da Vitória tornou-se uma festa com lágrimas nos olhos de todos nós. Na luta contra o mal absoluto do nazismo morreram mais de 26,6 milhões de cidadãos soviéticos, sendo que mais de 13,6 milhões de civis foram vítimas do genocídio hitleriano. Na história de cada família no nosso país há os seus heróis que eram combatentes, trabalhadores na retaguarda, prisioneiros de campos de concentração ou crianças da guerra. A memória deles é cuidadosamente transmitida de geração em geração.
A União Soviética desempenhou um papel fundamental na derrota do bloco nazi. Ao mesmo tempo, lembramo-nos da ajuda prestada pelos Aliados norte-americanos e britânicos, bem como por outros Estados. É curioso que, durante a guerra, a coligação anti-Hitler tenha sido profeticamente chamada por “nações unidas”, antecipando assim o surgimento da moderna ONU. Apesar das diferenças políticas, sociais, económicas, históricas e das distâncias geográficas, mais de 50 países uniram-se na luta contra o nazismo. Esta interação global e elaboração conjunta de “diretrizes” para a formação do mundo pós-guerra exigiram enormes esforços diplomáticos.
As conferências de Moscovo, Teerão, Dumbarton Oaks e de Yalta definiram os princípios, hoje bem conhecidos, da igualdade soberana dos Estados, da resolução de controvérsias por meios pacíficos e da renúncia à ameaça ou ao uso da força. Com base nestes dogmas, foi de facto elaborada e posteriormente adotada a Carta das Nações Unidas, que garantiu a igualdade dos países, bem como delineou os modelos de funcionamento do Conselho de Segurança e a vasta rede de órgãos da Organização. As batalhas da Segunda Guerra Mundial deram origem ao sistema moderno das relações internacionais que se baseia na ONU.
A Conferência da Crimeia, realizada em fevereiro de 1945, estabeleceu o princípio do julgamento de criminosos de guerra a nível internacional, o qual esteve na origem do Tribunal Militar Internacional de Nuremberga. De 20 de novembro de 1945 a 1 de outubro de 1946, os procuradores das potências vencedoras trataram dos crimes cometidos pelas principais figuras do Partido Nazi e dos serviços especiais do Terceiro Reich. Estes foram acusados de crimes da guerra de agressão, crimes contra a paz, crimes de guerra e do genocídio. O registo completo do julgamento, que incluía as provas, as declarações de arguidos e os depoimentos de testemunhas, totalizou 16 mil páginas.
Para além de condenar os nazis, o processo histórico moldou o desenvolvimento futuro do sistema de direitos humanos. Os julgamentos de Nuremberga conduziram à criação de importantes instrumentos jurídicos internacionais como a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e as Convenções de Genebra de 1949.
Ao longo dos últimos 80 anos, a ONU, atualmente liderada pelo português António Guterres, tem demonstrado o seu valor e a sua indispensabilidade. A Organização continua a ser uma instituição multilateral fundamental e a única plataforma para o diálogo universal. Está ao nosso alcance preservar este sistema e assegurar o seu desenvolvimento de acordo com os desafios atuais.
Neste contexto, são absolutamente inaceitáveis as tentativas de reescrever a história e de desvalorizar a “contribuição decisiva das tropas da URSS para a derrota do nazismo” como afirmou o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, numa conversa com jornalistas russos em 11 de maio de 2021. Os resultados da Segunda Guerra Mundial e os mecanismos de cooperação global decorrentes dela devem ser tratados com muito cuidado. Os países ocidentais, que procuram esquecer as conquistas do passado e substituir o direito internacional por uma espécie de “ordem mundial baseada em regras”, criadas por eles próprios, estão a conduzir a humanidade para uma nova catástrofe.
Embaixador da Rússia em Portugal