Há dez anos, depois de uma reportagem na Coreia do Sul, fui convidado a fazer parte do júri do concurso de K-Pop que a embaixada em Lisboa organiza. Tinha já começado a perceber que o mundo da música moderna coreana era muito mais complexo do que fenómeno Gangnam Style, de Psy, mas mesmo assim foi total a minha surpresa quando vi uma pequena multidão à porta do Museu do Oriente. Havia, claro, os familiares dos concorrentes, vindos de vários pontos do país, mas também inúmeros fãs de K-Pop, que seguiam através da internet grupos como os BTS ou Next Generation e tantos outros que estavam sempre a aparecer e a criar sucessos globais. O auditório do Museu do Oriente foi pequeno para tanto interesse.No sábado, vi o Meo Arena lotado com fãs de K-Pop. Milhares e milhares que ouviram durante mais de três horas boybands como Ateez, Zerobaseone e Riize e os grupos femininos Ive e Izna. E ainda Taemin. Um concerto Music Bank, que decorre a cada ano numa grande cidade estrangeira e que depois de Madrid, Paris, Nova Iorque e Tóquio chegou a Lisboa. Foi organizado pela Korean Power, uma promotora de eventos musicais, em parceria com a KBS, a televisão sul-coreana, o que significa que as referências aos Descobrimentos, os muitos “obrigado” e até um as “saudades” vão ser vistos e ouvidos por milhões de sul-coreanos em casa. Uma belíssima imagem do arco da Rua Augusta mostrada perto do final, com todos os artistas juntos em palco, provavelmente poderá atrair mais alguns turistas coreanos a Portugal, somando ao número crescente que já nos visita, com setembro do ano passado a registar o primeiro voo direto entre Seul e Lisboa. Dos cristãos que querem visitar Fátima aos muitos outros coreanos curiosos pelo património histórico do primeiro país europeu a entrar em contacto com a Península Coreana (João Mendes, ou Ji-Wan-Myeon-Je-Su, como surge nos Anais coreanos, naufragou em Tongyeong em 1604), há interesse no extremo oriental da Eurásia pelo extremo ocidental.Mas não é de soft power português que estou a falar. E sim do impressionante soft power sul-coreano. Há 80 anos a Península Coreana libertou-se dos ocupantes japoneses mas ficou dividida; há 75 anos iniciou-se uma guerra que foi o primeiro grande conflito da Guerra Fria mas terminou quase empatada apesar do enorme sofrimento; e no último meio século o desenvolvimento do Sul acentuou-se por comparação a um Norte que se mantém ditatorial, governado pela dinastia Kim apesar de se reivindicar um regime comunista, e que para símbolo de sucesso só a discutível posse da bomba nuclear.A República da Coreia, 13.ª maior economia mundial, 20.º país em termos de desenvolvimento humano, é hoje um caso de sucesso, com uma democracia sólida, que tem sido defendida pela população com ardor, e uma economia próspera, sustentada pelo apelo global de marcas de automóveis ou de eletrodomésticos que nos são bastante familiares em Portugal.Mas o êxito do país é também medido pela projeção da sua cultura, seja o cinema ou as séries televisivas (quem não se lembra do oscarizado Parasitas ou do sucesso de Squid Game na Netflix), seja o K-Pop, mas até a própria literatura: a escritora Han Kang recebeu o Nobel do ano passado. E o impacto coreano chega igualmente através dos cosméticos, do desporto (veja-se a popularidade do taekwondo) ou da gastronomia, com o kimchi a ser celebrado como um alimento saudável e o barbecue coreano a revelar-se tão apreciado que não faltam os restaurantes chineses que estão a aderir à moda. Mais de três horas a ouvir falar e cantar em coreano. E com entusiasmo. Certo que havia nos ecrãs do Meo Arena tradução instantânea em inglês e português para os momentos de conversa, mas impressiona que a cada início de música houvesse tantos portugueses a reagir, reconhecendo de imediato não só os acordes, como a letra. Houve muitos momentos altos durante a noite, e as preferências por um grupo ou outro pressentiam-se entre a audiência. Um desses momentos foi certamente quando os Ateez, que atuaram em Portugal em 2019, disseram estar contentes por voltar e que tinham “saudades” de Lisboa. É impressionante como uma nação com uma cultura tão refinada, com uma história plurimilenar, consegue afirmar-se também pela modernidade, sem preconceitos, usando toda a sua mestria tecnológica para oferecer um espetáculo pop, de K-Pop, que é uma lição para muitos países em termos do tal soft power.