Justiça. Será uma nova era se houver confiança

Quando escolhe Alcinda Cruz, a mulher morta pelo marido, no Barreiro, na frente dos filhos menores, para abrir o seu discurso, prestando, através dela, uma justíssima homenagem às vítimas de violência doméstica, Rita Júdice está a focar-se no que é mais importante na realização da Justiça: as vítimas.
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A função judicial é um dos pilares do Estado de Direito, ao lado das funções legislativa e executiva. A Justiça e o acesso à mesma pelos cidadãos que têm o privilégio de viver em países sob estes poderes, separados, é o que permite manter a ordem social, garantido a preservação dos direitos e protegendo todos contra o uso arbitrário do poder pelos Estados.

É por isso muito preocupante, para não dizer alarmante, que seja negativa a apreciação da maior parte dos cidadãos sobre os tribunais.

Conforme revelou o barómetro do Ministério da Justiça sobre a qualidade dos tribunais, noticiado pelo DN, a média geral das 24 variantes analisadas é negativa (4,4 pontos em 10 possíveis).

Apenas cinco tiveram pontuação positiva e, mesmo assim, o máximo não foi além dos 5,3 pontos, atingidos no parâmetro “imparcialidade do juiz ao longo do processo”.

Mas quando se passaram 50 anos do fim da ditadura do Estado Novo e do início da vida democrática em Portugal, é difícil de compreendermos, até de nos conformarmos, com o facto de, revelou também este inquérito oficial, o nível de “lealdade dos utentes da Justiça aos tribunais” ter tido uma pontuação negativa (4,8 pontos).

Como é referido no relatório, esta dimensão prende-se “com uma sólida e enraizada cultura democrática e cívica da população portuguesa” e o resultado, pode indiciar que quem recorreu aos tribunais parece “agora situar-se numa zona em que o recurso a outras soluções pode começar a ser equacionado - por exemplo, a soluções de ‘justiça pelas próprias mãos’ ou a meios de ‘resolução extrajudicial de litígios’”.

Se a Justiça é um pilar do Estado de Direito, a confiança no sistema é o seu alicerce profundo. Que todos confiem que, de facto, o seu caso é tratado com rigor, celeridade (a morosidade foi apontado como o mais negativo nos tribunais, com 3,3 pontos), igualdade de oportunidades.

O diagnóstico sobre o que corrói esse alicerce tem sido feito ao longo dos anos, é bem conhecido, e ainda nesta segunda-feira, na abertura do ano judicial, a ministra da Justiça, sublinhando, e bem, que é ao Governo que compete definir a política de Justiça, deu alguns sinais de uma nova era, de que a conquista dessa confiança estará no seu horizonte.

Quando escolhe Alcinda Cruz, a mulher morta pelo marido, no Barreiro, na frente dos filhos menores, para abrir o seu discurso, prestando, através dela, uma justíssima homenagem às vítimas de violência doméstica, está a focar-se no que é mais importante na realização da Justiça: as vítimas.

Serve para todos os crimes, mas quando se trata de crimes contra as pessoas, contra a vida, mostrar à sociedade que, mais do que palavras e promessas, é uma prioridade fazer Justiça a estas vítimas, certamente que terá um enorme peso na confiança que é urgente criar e fortalecer.

“O que temos a dizer aos filhos de Alcinda Cruz? (...)o que tem a Justiça a dizer a estes filhos, aos avós, aos tios, aos primos, aos amigos, aos professores dos filhos, aos vizinhos, a outras mulheres vítimas de violência doméstica, a todos nós que vimos as notícias?”.

Aguardamos pelas respostas. A primeira delas que explique porque é que, tal como já aconteceu em inúmeros outros casos, depois de uma queixa nas autoridades em 2022, o caso foi arquivado e não houve outro tipo de acompanhamento que evitasse a tragédia.

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