Há candidatos que surgem com livros, manifestos, entrevistas de fundo, teses políticas e longas meditações sobre o estado da nação. E depois há José Seguro, que surge… ele próprio. Sem anexos, sem suplemento literário, sem apêndice de pensamento estratégico — apenas a promessa de que, se ainda não escreveu nada sobre o país, é porque está a guardar o melhor para o grande momento. Ou talvez porque prefere não estragar a surpresa.O percurso que o leva à corrida presidencial é tão peculiar que merecia uma exposição em museu: “Da Juventude Política ao Silêncio Programático — 40 anos de movimento contínuo”. Seguro fez toda a vida dentro do sistema político, ao ponto de alguns observadores acharem que, se abrirmos uma gaveta de qualquer gabinete em São Bento, encontramos um dossier com o seu nome. Não porque estivesse escondido — mas porque sempre lá esteve, de forma tão discreta quanto permanente.Há quem diga, com humor, que Seguro quase renegou ser de esquerda — mas apenas quase, porque nada na sua carreira foi radical, abrupto ou dramático. Seguro é mais adepto do “deixa ver o que dá”, “não nos precipitemos” e “pode ser esquerda, mas qual é a pergunta?”. É uma flexibilidade ideológica que faria inveja a um ginasta olímpico.Também há quem recorde, sempre em tom satírico, o seu famoso percurso académico-político: do ISCTE para relações internacionais, num daqueles movimentos elegantes que só quem sabe recuar com estilo consegue executar. Não é fuga; é pirueta estratégica. A vida pública portuguesa agradece a variedade.Depois há o título de “professor”. Nada mais português do que isso: se alguém dá duas aulas, já é professor; se dá três palestras, é “senhor professor”; e se tiver uma década de carreira política, então pode ser tudo ao mesmo tempo — deputado, professor, estatuto honorífico, comentador se for preciso. Seguro segue esta grande tradição nacional com distinção.Mas a parte mais saborosamente satírica da sua trajetória é a afirmação frequente de que “esteve fora da política” na última década. Ora, isto é semelhante a um peixe dizer que “esteve afastado do mar”: pode nadar mais ao fundo, pode evitar a superfície, mas o oceano está sempre lá. Seguro pode ter estado menos visível, menos falado, menos testado — mas sempre dentro do ecossistema que o alimentou desde a juventude. É um daqueles casos raros em que estar “fora da política” significa estar apenas… nos bastidores com luz baixa.E eis que chegamos à candidatura presidencial. Não acompanhada de um livro, nem de uma grande visão programática publicada, nem sequer de um esboço conceptual em guardanapo de café. Chega assim: puro, leve, silencioso, quase minimalista. No mundo empresarial chamar-lhe-iam marca branca; na política, chama-se “a simpatia do costume”.O seu discurso? Cordial. O seu tom? Agradável. O seu estilo? Reassurantemente previsível. Seguro apresenta-se como alguém que esteve sempre lá e que continuará a estar, com ou sem ideias escritas. É, de certa forma, a versão humana do genérico de supermercado: não faz mal, não incomoda, e às vezes até resolve.Se a Presidência da República fosse atribuída por quilómetros percorridos em sedes partidárias, por presenças em reuniões, por horas de corredor, Seguro ganhava com maioria absoluta. O problema é que exige outra coisa: pensamento estratégico, visão para o futuro, coragem política — e, idealmente, uma frase ou duas que fiquem para a história.Mas José Seguro é fiel ao seu estilo. Não acelera, não arrisca, não inventa. Avança sereno, convicto de que a ausência de polémica é, por si só, um programa presidencial. E talvez, num país cansado, isso até resulte.No fim, o seu percurso é uma pequena obra-prima do humor político involuntário: um candidato que viveu sempre dentro da política a dizer que esteve fora; que chega à corrida sem dizer muito, mas dizendo-o com convicção; que nunca incomodou ninguém… e que agora quer representar todos.Se isso é suficiente para chegar a Belém?Ah, isso já é sátira!