Já não é sexta-feira?
Portugueses continuam com "padrão de consumo elevado" e a jantar fora à sexta-feira, disse o presidente do Santander. Mas quem é que é este senhor para pregar lições de moral aos portugueses, a todos nós que pagámos com língua de palmo os desvairos da banca e tivemos de a resgatar tipo náufrago? Ora, é simples: é o mesmo que cobra taxas e prestações agiotas que oferecem ao banco lucros recorde (em 2022 duplicaram), estimula créditos ao consumo, fartou-se de despedir pessoal e ganha dois milhões de salário anual, fora mordomias, bónus e extras. Mas acha-se no direito de censurar quem vai ao restaurante à sexta-feira. Somos nós que vivemos acima das nossas possibilidades? Mesmo?
Se calhar este também é daqueles que acha que tem mérito. Acontece que o seu pai foi director do Banco Totta e alguém relevante entre os quadros mais antigos do Santander. Foi assim que os seus dois filhos ascenderam a postos cimeiros na banca espanhola. Não mora aqui qualquer empreendedorismo ou excelência. Há privilégio e, porventura, até nepotismo.
É que já não bastavam as Jonets da vida e as "é que os pobres têm uma certa tendência natural para o gastar mal gasto - proteínas à parte -, já não bastavam os Dijsselbloem do Eurogrupo a alardear que gastamos tudo em "copos e mulheres"! Arre! A verdade é que há um padrão. Temos uma cambada de elites anafadas e cleoptocráticas que insistem que o problema é os portugueses comerem bifes ou fazerem férias. Desde André Ventura que, a propósito das esmolas de Costa, bradava: "Os 125 euros não podem ser gastos em whisky, tabaco e drogas", até ao famigerado "Ai aguenta, aguenta!" do banqueiro Ulrich, há toda uma casta de favorecidos, cheios de indemnizações, poleiros e tachos, que entendem que o mero mortal deve sobreviver a pão e água. Talvez com algum circo pelo meio. Certo é que esta narrativa sádica e predatória não é um exclusivo nacional. Enquanto que nas COP-27 ou em Davos discursam sobre a pegada carbónica ou a destruição do planeta, culpando o cidadão comum pelas mesmas, viajam de jactos privados e pedem ementas com iguarias de primeira acompanhadas de bebidas a preços proibitivos. Ou seja, depois da maior transferência de riqueza da História da Humanidade que se verificou durante a covid, estes sobas perderam a pinga de vergonha que lhes restava e hoje dizem já à boca cheia, na nossa cara, que devemos sobrevier na penúria, em regime de escravatura mascarada, enquanto lhes enchemos os bolsos. Não admira - afinal, dois terços de todas as novas riquezas geradas no mundo, nos últimos dois anos, foram acumulados por 1% da população. De facto, regista-se um inaudito crescimento exponencial da desigualdade global.
Paralelamente, vários ataques estão em curso além do empobrecimento geral das populações - pretende-se reduzir ou até eliminar a possibilidade de se ter propriedade privada (por exemplo, através da Directiva sobre a Eficiência Energética dos Edifícios) ou controlando todos os meios de produção e até de simples subsistência (veja-se o caso do registo das galinha poedeiras). Em 2030, não terás nada e serás feliz, é o mantra destes verdugos ultra-ricos. São os donos do mundo e nós (já) apenas os seus alegres e cooperantes cativos. Sem saídas às sextas-feiras.
Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia